Nº 2507 - Dezembro de 2010
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
2010 - A Força Aérea Portuguesa durante as últimas campanhas do Império, 1954-1975
Tenente-general PilAv
António de Jesus Bispo

A participação da Força Aérea na Guerra de África (1961-1975)

 
Antecedentes políticos
 
Antes de entrarmos na matéria de fundo que será objecto desta apresentação proponho uma muito breve referência ao enquadramento político internacional que nos conduziu à guerra no Ultramar.
 
Os territórios portugueses em África foram desde o início objecto de disputas, de cobiças, de desafios internos à soberania. Os ataques mais significativos provieram das forças de expansão de outros impérios europeus, no século XIX, e que se prolongaram até ao final da 1ª Grande Guerra, e das tentativas de partilha, a mais importante das quais foi a que se fixou no Acordo de 1913 entre a Inglaterra e a Alemanha.
 
A corrida à África na lógica imperial europeia da última metade do século XIX, constituiu uma das mais sérias ameaças aos territórios portugueses nesse Continente, o que levou Portugal, país pequeno e periférico, a intensificar a via diplomática, que acabou por convencer Bismarck a convocar o Congresso de Berlim em 1884 - para além de resoluções pontuais de definição de frontei­ras, o que o Congresso disse foi que quem quisesse exercer soberania teria que demonstrar que tinha força para isso, que era capaz de manter a autori­dade. Em conclusão, as disputas entre potências europeias intensificaram-se, e muitas das campanhas ditas de pacificação enquadravam-se muito melhor na aplicação dos princípios saídos do Congresso. Quem reivindicava direitos sobre determinado território teria que demonstrar, por acções, que o actual detentor dos direitos era inábil em manter a autoridade nesse território. As Campanhas Africanas Por­tu­guesas deste período, que vai até ao fi­nal da Grande Guerra, saldaram-se por uma vitória nacional e por momen­tos de glória para as forças militares portuguesas, embora com custos muito significativos. Mas antes das chamadas campanhas africanas com os meios militares de reforço, ou forças expedicionárias, não deverá ser esquecido o sacrifício de inúmeros portugueses que lutaram nos sertões africanos, em condições de muito maior dificuldade, para manter a bandeira portuguesa a flutuar.
 
Foi por receio da partilha ilegítima dos territórios portugueses por outras potências, entre outros factores, que Portugal entrou na Grande Guerra, donde saíu com pesadas baixas, mas do lado dos vencedores.
 
O último ataque, já no século XX, foi o que decorreu das ideias e dos actos relativos à descolonização, muito incentivados pela influência americana, de­si­gnadamente as propostas do Presidente Wilson em princípios de 1918, e do Presidente Ro­ose­velt em 1941 - as primeiras contidas no documento apresentado ao Con­gresso Americano relativo à forma de resolução da guerra (os 14 pontos de Wilson), as segundas contidas na célebre Carta do Atlântico.
 
O ponto quinto de Wilson, ambíguo e generalista, mas de grande eficácia pe­la forma como foi aproveitado, continha o seguinte:
A free, open-minded, and absolutely impartial adjustment of all colonial claims, based upon a strict observance of the principle that in determining all such questions of sovereignty the interests of the populations concerned must have equal weight with the equitable claims of the government whose title is to be determined”.
O ponto quinto da Carta do Atlântico era muito mais simplificado:
All peoples had a right to self-determination”.
Tanto uma como outra destas proposições foi muito contestada na Europa.
 
As corridas africanas da segunda metade do século XIX não trouxeram só desgraças ou exploração de recursos. Por força da presença eu­ro­peia, a urbanização foi tendo alguma expressão, a industrialização teve um andamento incipiente, foi-se criando uma pe­quena burguesia comercial e uma pequena elite intelectual; o en­sino foi sendo ministrado a uma pequena parte da popula­ção, em especial atra­vès das missões, alguns africanos começaram a fre­quen­tar as universida­des europeias e americanas. Daqui resultou que os valo­res ocidentais foram sendo assimi­la­dos, tendo começado a surgir, em núcleos muito restri­tos, um conceito de Na­ção Africana, para além da ideia de etnia. E neste contexto, as ideias de li­ber­tação nacional, de associação do Estado à Nação, criadas e de­sen­volvidas no Ocidente, para terem aplicação na Europa, come­çaram timi­damente a se­rem transpostas para África, por via dos africanos que estuda­vam no Oci­dente e também por via daqueles que tin­ham sido cha­­ma­dos a ser­vir nas forças militares europeias durante as guerras mundiais.
 
Desde o final da Segunda Guerra que começaram a surgir movimentos de inte­lec­tuais e declarações de políticos propondo a saída dos europeus do Con­tinente Africano, de se proceder à descolonização, com base nos princípios da igualdade racial, do auto governo dos povos e da democracia.
 
No final da guerra as potências ocidentais perderam poder ao ponto de serem incapazes de sustentar a totalidade dos seus impérios. E foi fundamentalmen­te esta razão que levou a uma ausência do centro do império, que per­mi­tia a agitação dos movimentos emancipalistas e a criação de instabilidade nos territórios, que levou à independência da Índia, em 1947, momento deter­mi­nante do início da corrida da descolonização.
 
A Conferência de Bandung em 1955, entre a Ásia e os cinco países africanos, foi outro evento que despertou os movimentos africanos, na sequência da ideia de pan-africanismo nascida nos Estados Unidos da América logo em 1945.
 
As grandes potências europeias, face ao alastramento destas ideias e na avali­a­ção dos seus factores de poder, criaram a percepção de que os custos resul­tan­tes da administração dos territórios e da resolução dos conflitos que ne­­les nasciam, superavam os benefícios económicos e estratégicos, e conven­­ce­ram-se que seria possível continuar a manter essas vantagens num quadro de influência pós-independência. Nesta visão, a independência seria apenas um pró-forma.
 
É neste contexto que em 1960 se criaram 20 estados africanos, imediatamente aceites na Organização das Nações Unidas. Esta Organização, muito influ­en­cia­da pelas posições destes novos estados, apelava às potências adminis­tran­tes dos chamados territórios dependentes para promoverem o desenvol­vi­mento das populações indígenas, e para estabelecerem as formas apropriadas de auto governo. Muito ràpidamente evoluiu para um apelo à independência - isto é, a Assembleia Geral criou a convicção de que a pro­moção e desenvolvimento dos povos só poderia ter lugar através da indepen­dên­cia política, primeiro a independência depois o desenvolvimento.
 
Portugal, assim como outros países ocidentais, tinha uma posição diferente.
 
Em primeiro lugar reivindicava um direito histórico de posse, à semelhança do que tinha feito em relação a outras potências europeias durante a corrida imperial do século XIX.
Em segundo lugar, Portugal invocava o facto de existir muito sangue portu­guês derramado em África e por África, como foi o caso das campanhas de pa­cificação e de luta contra outros ocupantes europeus, assim como o caso do desastre da Grande Guerra.
 
Em terceiro lugar, Portugal considerava que o espírito que tinha presidido à presença portuguesa em África não se compaginava com os motivos que leva­ram outras potências a ocupação muito mais recente, insuficiente para um encontro civilizacional mais profundo.
 
Em quarto lugar Portugal não partilhava as ideias daqueles que entendiam que os custos da manutenção deveriam ser o factor determinante para o aban­dono, e entendia que deveria assumir a responsabilidade da promoção dos povos no quadro da soberania política existente.
 
Em quinto lugar, Portugal defendia que os territórios, embora não sendo con­­tíguos à Metrópole faziam parte integrante do território nacional, de acor­do com a Constituição da República, e que tinha como desígnio político a manutenção de um território pluricontinental e de uma sociedade multiracial, o que constituia objecto do seu conceito estratégico. Portugal nunca afirmou nas Nações Unidas que tinha colónias, e como tal considerava-se isento de responder aos quesitos postos pela Organização.
 
Por último havia uma razão pragmática: Portugal entendia que a uma hipotética declaração de independência se seguiria o caos, e que nesta circunstância deveria ser responsável pela segurança das pessoas que residiam nos territórios e aí tinham as suas vidas legitimamente organizadas. O que se passa­ra no vizinho Congo constituia então um exemplo que ilustrava claramente esta posição.
 
Esta divergência de pontos de vista conduziu a um certo isolamento internacional do regime português, atenuado no entanto pela continuidade das relações normais com alguns paises europeus, e pelo enorme esforço da diploma­cia.
 
Na Assembleia das Nações Unidas Portugal era sistematicamente atacado, num cenário penalizante de guerra de informação; no Conselho de Segurança as coisas não se passavam da mesma forma, apesar da hostilidade americana contra a posição portuguesa no tempo da Administração Kennedy.
 
Apesar de não se considerar abrangido por esta onda internacional, é eviden­te que o regime português não se poderia declarar imune a ele. O sistema inter­nacional tinha mudado substancialmente, em virtude do aumento brusco do número de actores e do contexto de guerra fria cada vez mais intenso, e com esta mu­­dan­ça as dificuldades para Portugal deveriam aumentar.
 
Era um facto conhecido que se iam criando nos territórios portugueses, e no seu exterior, de forma um tanto incipiente, movimentos orientados para a inde­pen­dência des­ses territórios. Estes movimentos, apoiados e incentivados por uma grande par­te da comunidade internacional, passaram a receber também apoio mate­rial, em particular armamento, e a desenvolver capacidade militar significati­va.
 
O primeiro movimento criado no Congo para reivindicar a indepência de An­­go­la, tinha o apoio específico dos Estados Unidos da América. Por outro lado, a União So­vi­ética tinha respondido ao apelo de Bandung e apoiava, por princípio, to­dos os movimentos africanos. Os outros movimentos que se criaram em An­go­la, e também na Guiné e em Moçambique tin­ham um apoio muito su­bstancial de uma grande parte das grandes potências, em particular da U­ni­ão So­viética e da República Popu­lar da China.
 
Perante estes factos, a situação passou a ser tensa nos territórios portugueses, em particular logo a seguir aos acontecimentos no Congo, que en­vol­veu tam­­bém muitas vítimas portuguesas e obrigou à execução de uma ponte aérea para a sua recuperação para Luanda. A soberania portuguesa passou a ser de­sa­fi­ada com armas na mão, e o con­fron­to militar era inevitável. A decisão po­lí­ti­ca foi no sentido inequívoco de se enfrentar este desafio, e as Forças Armadas assumiram essa missão.
 
Como é evidente, a política ultramarina teria que ser coerente com os princípios defendidos por Portugal nos aerópagos internacionais e as Forças Arma­das deveriam ser preparadas para enfrentar os desafios que se perfilavam no prosseguimento da política definida nas instâncias próprias.
 
Perante estes factos, a situação passou a ser tensa nos territórios portugueses, a soberania portuguesa passou a ser desafiada com armas na mão, e o con­fron­to militar era inevitável. A decisão política foi no sentido inequívoco de se enfrentar este desafio, e as Forças Armadas assumiram essa missão.
 
 
A preparação para a guerra
 
Importava, fundamentalmente, intensificar a presença militar. No âmbito aeronáu­tico essa presença era diminuta, por razões da dimensão do Poder Aéreo Nacional na altura.
 
Na grande reestruturação da Aeronáutica Militar em 1956, onde se passa do con­cei­to de forças aéreas para o conceito de Força Aérea, uma das áreas con­tem­­pla­das dizia respeito à extensão orgânica relativa ao espaço aéreo ultramari­no.
 
Por força destes diplomas legais, foram criadas as Re­giões Aéreas, uma abran­gendo o território continental, os Arquipélagos dos Açores, da Madeira, de Cabo Verde, e a Guiné; outra que incluia Angola e S. Tomé e Príncipe e outra com sede em Moçambique que incluía, além deste território, os ter­ritórios portugueses da Índia, Macau e Timor. Em cada uma destas Regiões estava prevista a constituição de Bases Aéreas, e outras clas­ses de aeródro­mos, no sentido de garantir uma cobertura total do Império Português, em termos de ju­risdição aérea. Levou ainda algum tempo para que os co­man­dos se organizassem e para que os meios fossem destacados para essas remotas paragens; contudo, estavam criadas as condições legais para uma implemen­ta­ção rápida face ao evoluir da situação.
 
Em 1957 o Subsecretário de Estado da Aeronáu­tica faz publicar uma Directiva para lança­men­to das infra-estruturas necessárias às operações aéreas nos territórios ul­tra­marinos portugueses, tanto na previsão da operação local como para apoio das aeronaves em trânsito na sua deslocação inter-teatros.
 
Em 1958 é efectuada uma visita de inspecção para avaliação da situação por uma equipa chefiada pelo Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, e no ano seguinte tem lugar o célebre Exercício Himba.
 
O exercício HIMBA consistiu numa operação de transporte aéreo militar para verificar rotas e infra-estruturas, escalas possíveis para o trânsito e opera­ção, e numa demonstração de soberania, de pre­sen­ça militar portuguesa em Á­­fri­­ca; foram envolvidos 14 aviões, desi­gnadamente 6 Skymaster, 2 C-47 Da­­­kota, e 6 PV-2 Harpoon que voaram da Metrópole até Angola, utilizando ae­ró­dromos de escala, ao lon­go da rota oceânica. Em Angola, so­bre­vo­­aram Carmona, Santo António do Zaire, Cabinda, Malange, Henri­que de Carvalho e Lobito; foi realizado um grande festival aéreo em Luanda com desfile aéreo e terrestre, lançamento de tropas pára-que­dis­tas, e exercício de tiro ar-solo real, com a assistência de uma multidão entusiasta e orgulhosa da sua For­ça Aérea. Outros desfiles se realizaram em Sá da Ban­deira e Nova Lisboa. Esta acção teve uma impor­tância fundamen­tal do ponto de vista psicológico, junto da popu­la­ção, para além do teste operacio­nal a que se propun­ha. O exercício deixou no entanto uma marca negativa: um dos C-47 des­penhou-se à saída de Lisboa, na foz do Tejo, tendo falecido os 5 tripulantes e os 6 oficiais que nele seguiam em serviço, constituindo as primeiras bai­­xas da Força Aérea nestas novas campanhas africanas - as causas do acidente nun­ca foram determina­das, estando totalmente fora de hipótese qualquer acção intencional provinda do exte­rior.
 
A Força Aérea construiu em Angola quinze pistas principais, em Moçambique catorze, na Guiné cinco, para além de grandes ampliações e melhorias nas existentes naquela data e que eram em número reduzido.
 
Para além da estrutura orgânica e da construção das infra-estruturas mínimas que permitiriam a dotação subsequente dos meios, haveria que estudar ou avaliar que tipo de guerra se iria enfrentar e qual deveria ser o sistema de for­­­ças aé­reas mais adequado, dentro das limitações existentes a vá­rios níveis.
 
Foi assu­mi­do que se iria operar num cenário de supremacia aé­rea, pelo que não foi considerada a questão da defesa aérea e do combate aé­reo. Não foi inicialmente considerada a possibilidade de utilização de armas anti-aéreas pelo inimigo, previsão que não veio a materializar-se, pois é sabi­do que nos três teatros o inimigo desenvolveu uma capacidade significativa nesta área, como iremos referir.
 
Em todo o caso, foram ainda instalados alguns radares de campanha, na Guiné e em Ango­la, para vigilância meteorológica e para apoio de tráfego, mas relativamente obsoletos e com baixa prontidão. E­xis­tiam ainda radares de artilharia que no caso da Guiné faziam a vigilân­cia do espaço aéreo e transmi­tiam a informação para o centro de operações aéreas.
 
Um outro prin­cípio adoptado foi de que se tra­ta­va de uma questão interna, não se prevendo operações fora do ter­ritório nacional, nem meios especificamen­te adequados a esse tipo de missão.
 
À partida esteve fora de questão a aquisição de meios altamen­te sofisticados, devido principalmente às restrições de natureza económica, embora a natureza dos meios não tivesse sido muito diferente da utilizada por outros países ricos em experiências do mesmo tipo.
 
O sistema de forças planeado no inicio da década de cinquenta no âmbito da aju­da mútua, aprovado pelo Ministro da Defesa, não seria de considerar, justa­mente porque a ajuda para este e­fei­to não seria possível, por razões políticas. Aliàs, esse plano foi abandonado ou reorientado para as necessidades de missão em África.
 
Por outro lado, foi reconhecido que seria necessária uma força de dissu­a­são credível, com a dimensão apropriada: foi este princípio que levou ao destaca­mento de avi­ões de combate, como foi o caso do avião F-84G para Angola, e poste­riormente para Moçambique, do avião F-86F para a Guiné, entretanto regressado por imposição americana e substituido pelo avião FIAT G-91, também destacado para Moçambi­que, e de aviões de patrulhamento marítimo, como foi o caso do avi­ão P2V5 para Angola e Guiné e do avião PV2 para Angola e posterior­mente para Moçambique. Uma compo­nente muito importante nes­te cenário estratégico era a componente de trans­porte, não só da ligação da Metrópole com os teatros ultramarinos, mas tam­bém da ligação dentro de cada teatro - de início a frota existente de C-54 e DC-6 satisfazia as ne­cessidades para a ligação inter teatros (os C-54 estavam ao serviço desde 1947, fornecidos ao abrigo da ajuda mútua, e que atingiram um total de 16 aeronaves colo­cados na Base Aérea nº 4 nos Açores; os DC-6 foram adquiridos à PANAM em 1961 num total de 10, tendo ficado baseados em Lisboa; tanto os C-54 como os DC-6 viriam a ser abatidos em 1978); depois esta capacidade foi acresci­da com a aquisição de 2 Boeing 707 em 1969 (alienados em 1976) que tiveram uma ex­ploração e­xem­plar re­conhecida a nível internacional; pa­ra as ligações in­trateatro e para o transporte médio foram utiliza­dos os avi­ões Dakota existentes no inventário e foram adquiridos avi­ões Nord­Atlas a França.
 
O avião conven­cional de ata­que e de apoio de fogo que teve maior a­pli­cação em todos os teatros foi o avião T-6 armado, adquirido a Fran­ça, a partir da Argélia, e à Alemanha. Para o transporte ligeiro e posto de co­man­do vo­lante foi ini­cialmente utilizado o avião AUSTER, fabricado em Por­tugal, nas OGMA, e posteriormente o DO-27 adquirido na Alemanha. Já na fase final da guerra entraram ao serviço aviões B-26 em Angola. Outros tipos de meios aéreos foram ainda utilizados sem expressão significativa. O meio aéreo mais utili­zado e com maiores sucessos em termos de apoio às opera­ções terrestres foi o helicópetro, em especial o Allouette III (O Allouette 2 teve uma explo­ra­ção operacional pouco significativa, e o SA330 só tardiamente foi adquirido).
 
Na fase final da guerra foram adquiridos 32 aviões Cesna FTB 337, Super­Sky­master, na versão armada, mas os aviões só foram recebidos em Dezem­bro de 1974. Foram igualmente adquiridos nesse período 24 AVIOCAR CASA 212 para transporte médio e também recebidos já depois da guerra em finais de 1974, princípios de 1975.
 
Não existia, antes do início da guerra, doutrina aérea específica para este tipo de operações, aplicando-se a doutrina aérea geral em vigor, que foi sendo sucessivamente aditada com especificações pró­prias do emprego do poder aé­­reo nos vários contextos, através de normas de exe­cu­ção permanente pro­mul­ga­­das em cada Teatro, e que, curiosamente, foram convergindo para uma certa uniformidade.
 
A fonte inicial de recolha de experiências foi a Força Aérea Francesa, em particular os ensinamentos colhidos na guerra da Argélia e também na In­doc­hi­na. Pierre Closterman foi convidado a vir a Portugal em 1960 tendo ti­do vários contactos e profe­ri­do uma conferência na Academia Militar sobre o emprego do Poder Aéreo em guerra subver­siva. A experiência britânica, em particular o conflito na Ma­lá­­sia, considera­do como um caso de sucesso das forças clássicas em guer­ra de guerrilha, foi igualmente estudada e tida em consideração. A fonte tradicional, a Força Aérea Americana, não dispunha à altura nem de experiência específica sobre guerra subversiva nem de doutrina particular sobre esta matéria, como é sabido.
 
A primeira acção de subvelação teve lugar em Angola, na Baixa do Cassange em Janeiro de 1961. Tratou-se de uma acção tumultuosa, de afrontamento às autoridades civis e militares, de ameaças à integridade de pessoas e bens. Esta acção foi neutralizada por uma força militar, a 4ª Companhia, e pelos meios aéreos, designadamente aviões Auster e PV2, em cerca de duas sema­nas.
 
Em Fevereiro dá-se um ataque concertado a vários pontos em Luanda, entre os quais as tentativas de assalto às prisões, à emissora de rádio, ao comando da polícia mó­vel, o as­sa­ssínio de po­lí­cias, e a partir de 15 de Março dá-se o genocídio em várias sanzalas do Nor­deste angolano, onde perderam a vida cerca de se­te mil pessoas, sendo mil de origem europeia.
 
Se dúvidas existissem quanto à intervenção militar nos territórios ultramarinos, este facto hediondo não deixou margem para a passividade ou para a negociação pacífica. É assim que começam as operações militares que iriam durar até 1975. Com estes actos, toda a hipotéctica negociação pelo diálogo tornou-se cada vez mais longínqua.
 
A estraté­gia militar orientou-se segundo as seguintes vertentes: des­tru­ir a ca­paci­da­de mi­litar inimiga, isolar o inimigo das populações aliciando-as para a causa por­tuguesa, penalizar ou desestabilizar aquelas que apoiavam o inimi­go, criar condições para o desenvolvimento económico, social e político.
 
 
As operações aéreas em Angola
 
Por altura dos acontecimentos na Baixa do Cassange, o único aeródromo mi­litar em Angola era o de Luanda, a Base Aérea nº 9. Os meios aéreos aí estacionados eram 11 PV2, 7 aviões de transporte NORDATLAS, 4 aviões ligeiros DO-27, 4 BROUS­SARD e alguns T-6G (des­ti­na­dos ao AB3, como adiante veremos). Nesse mês de Ja­nei­ro de 1961, os aviões PV2 fizeram 38 mis­sões operacio­nais, e idênti­co número em Fe­vereiro, repartidas por acções de ataque inde­pen­dente, ata­que em apoio próxi­mo de forças terrestres e de populações, re­con­he­cimento aéreo e eva­cuação sanitária. Naturalmente, a área de operações era a Baixa do Cassange. Os NORDATLAS efectuaram 19 missões em Janeiro e 34 missões em Fevereiro, em transpor­te de pessoal e de carga.
 
No final do ano de 1960 tinham sido destacados para Carmona, 4 aviões ligei­ros Auster, utilizados em acções de re­con­hecimen­to visual, posto de con­trolo volante, transporte de carga, eva­­cua­ção sanitária, aterrando em pistas im­pro­visadas. Du­ran­te os aconteci­mentos na baixa do Cassange estas 4 aero­na­ves voaram cer­ca de 200 horas de voo, o que significa que a zona foi so­bre­vo­a­da durante quase todo o perí­odo diurno, detectando movimentos de gru­pos sublevados, orientando as for­ças no terreno de forma muito primária, dada a inexistência de comunica­ções ar/terra, fornecendo ví­ve­res, munições às forças e aos elemen­tos ci­vis si­tia­dos, fazendo as ligações possíveis. Em 6 de Fe­ve­reiro duas destas aero­na­ves são destacadas para Malange em realiza­ção do mesmo tipo de activi­da­de aérea.
 
Desde meados de 1960 que vinha sendo construido o aeródromo do Negage, situado a cerca de 150 milhas a Nordeste de Luanda. Em 7 de Fe­vereiro de 1961 tem aqui lugar a primeira aterragem de um Auster e de um NORD, embora as instalações do aeródromo, particularmente o quartel, só tivessem ficado conclui­das em Se­tem­bro desse ano. Este aeródromo militar, já legal­men­te constitui­do do an­terior, tinha recebido a designação de AB3.
 
Como já referimos, em 15 de Março de 1961 tem início uma ofensiva brutal, por parte de vagas hu­manas armadas de catanas e canhangulos, contra povoa­ções e fazendas de agricultores, nos distritos do Zaire, Uige e Cuanza Nor­te, em especial Quiba­xe, Vista Alegre, Aldeia Viçosa, Quitexe, Quicabo, No­va Caipemba, Nam­bu­an­gon­go, Zalala, Quibala, Bessa Monteiro, Madimba, Canda, M’bridge, Bu­e­la e outras. Os rebeldes mataram milhares de pessoas, todas civis, inclu­in­do mais de um milhar de brancos. Muitos destes locais foram ocupados pe­los atacantes, com fuga da população residente. Noutros locais a popula­ção­ conseguiu re­sis­tir e ficar, constituindo autênticos redutos permanente­men­te ameaçados, sem possibilidade de fuga e tentando so­bre­vi­ver. Esta ac­ção cri­ou pânico em toda a região, o que originou um ê­xo­do qua­­se com­pleto dos re­si­dentes, mes­mo daqueles que ainda não tinham sido ameaçados.
 
Aviões ligeiros, civis e militares, procederam ao transporte das pessoas apavoradas em fuga, concentrando-as no aeródromo do Negage, donde se procedeu a uma ponte aérea para Luanda de cerca de 3.500 pessoas, essencialmente com aviões NordAtlas.
 
Em 16 de Março chega a Luanda, via aérea, a primeira companhia de pára-que­­distas. O dispo­si­ti­vo terrestre é reforçado com forças provindas da Metró­po­le e são lança­das operações de grande envergadura nas zonas afectadas.
 
Nestas operações de cerco e recuperação de posi­ções, como foi o caso da ope­­­ra­ção Pedra Verde, da operação de assalto a Nam­­buan­­gon­go, e das opera­ções na serra da Canda e em Sacandica partici­pa­ram as unidades aéreas da Base Aérea nº 9 em Lu­anda, e do Aeródromo Base nº 3 no Negage.
 
A Esquadra de PV2 (ESQ 91) efectuou 56 missões operacionais em Março e 88 em Abril, com uma média mensal de 60 horas de voo por piloto atribuído. A Esquadra de NORD (ESQ 92) executou 92 missões em Março e 103 mis­sões em Abril, com uma média mensal de 45 horas por piloto atribuido.
 
Este esforço de voo iria au­mentar num crescendo até Novembro de 1961 - os PV2 vo­aram cerca de 3.000 horas nesse ano, e o número mensal de mis­sões foi-se aproxi­mando da centena (em Julho); os NORD voaram no mes­mo período 2.600 horas (até ao final do ano trans­portaram cerca de 29.000 passageiros e cerca de três mil e quinhentas toneladas de carga).
 
Na última quinzena de Março chegaram ao aeródromo do Negage, voando de Luanda, 4 aviões T-6G armados, que já dis­pun­­ham de equipamento rádio para o con­tacto com as forças de superfície, em frequência modulada.
 
Estes números foram aumentando progressivamente e no final do ano já se en­­contravam neste aeródomo base 15 T-6G e 9 DO-27. No mês de Março os a­vi­ões T-6 executaram 22 missões operacionais, 72 em Abril e 103 em Maio (valor mais elevado do ano) sendo a maior parte em acções de reconhecimento armado. Foram executa­das 11 acções de apoio aéreo próximo em A­bril e 25 em Maio. Os aviões DO-27, que em Abril e Maio eram apenas 4, efectua­ram 96 missões em Abril e 161 em Maio, com uma média de cerca de 50 ho­ras/piloto atribuido/mês; em Abril os pilotos de DO-27 eram 13, em Julho 18 e em Novembro 22. A frota de T-6G efectuou até final do ano de 1961, 1.867 horas de voo, e a frota de DO 27 efectuou 3.254 horas de voo no to­­tal desse ano. Todos os pilotos colocados no Aeródromo Base esta­vam qua­li­ficados em mais do que uma aeronave, para suportar este esforço de voo a que a Unidade era solicitada, em situação de emergência. Estes núme­ros dão-nos uma ideia do progresso da dotação de meios neste Aeródromo Base; naturalmente que, ao mesmo tempo que estes meios aéreos e respecti­vo pessoal de operação e manutenção iam che­gan­do à Unidade, iam-se esta­be­­le­cen­do os fluxos logísticos necessários à sua sustentação.
 
Em Agosto de 1961 entram em cena dois outros tipos de meios aéreos: o F-84G in­te­grado na ES­QU­ADRA 93 e o helicóptero AL II na Esquadrilha de Trans­por­te e Reconhecimento, constituindo-se depois a ESQUADRA 94, am­­bas da Base Aérea nº 9.
 
O avião F-84G, cedido ao abrigo da ajuda mú­tua, que tin­ha sido abatido ao in­­ven­tá­rio da Força Aérea Portuguesa, na Metrópole, em 1961, iria ser apro­veitado para missões de reconhecimento na fronteira Norte, para in­ter­cepção de eventuais reabastecimentos das forças rebeldes, e detecção de corredores de infiltração, para missões de interdição ou ataque in­dependente, para apoio de fogo às forças de superfíficie. Para além das me­­­­tral­hadoras de .50 polega­das, internas, dis­punha de esta­ções externas on­de po­de­riam ser suspensos di­ver­­sos tipos de ar­mamento, co­mo foguetes de 2.75 e de 5 polegadas, bombas de 50 e de 200 quilos e de 250, 500 e 750 libras. No final de Agosto já esta­vam pron­­tos 5 aviões (transportados via marítima de Lis­boa, com mon­ta­gem em Lu­anda), com 7 pilotos atribuidos que exe­cu­taram no total 44 acções nes­­se mês; no mês seguinte este va­­lor passou para 139 acções, sen­do 66 de a­poio próximo, 14 de reconhe­cimento, 8 de patrulhamento da fron­teira Nor­te, 29 de ataque independente e 22 de outra natureza, como por exemplo, voos de teste, de demons­tra­ção, de treino ou de pre­sen­ça.A partir de Outubro ficaram pron­tos 11 aviões. De sublinhar que a taxa de prontidão da frota foi de 80% em Agosto, 77% em Setembro, 66% em Outubro, 82% em No­vembro e 90% em Dezembro de 1961, números que impressionam para uma frota previa­mente “extinta” por ter atingido o fim do seu ciclo normal de vida.
 
Fundamental­mente, a ES­QUA­DRA 93 constituia-se como elemento dissua­sor importante, não só no plano interno como no plano internacional, para além da acção directa rele­vante, dado o seu poder de fogo. Quando estalou a guer­ra em Angola surgiu a notícia de que estariam disponíveis para oferecerem os seus serviços à guerrilha, aviadores estrangeiros que, com pequenas aeronaves po­de­riam atacar objectivos de grande importância, escapando-se incólumes pa­ra santuários próximos, em países vizinhos - como não exis­tiam meios de de­fe­sa aérea, designadamente meios de cobertura radar e in­ter­cep­­to­­res, e como tais aviões não necessitariam de grandes infraestruturas para ope­rar, pode­riam constituir-se como armas poderosas, em especial con­tra o Poder Aéreo. Es­ta notícia não se veio a confirmar em Angola, mas o a­vi­ão F-84 pode­ria ter sido o meio mais adequado para se opôr, em certa medi­da, a esta ame­a­ça.
 
Uma das primeiras preocupações da Força Aérea foi a de estabele­cer um pla­­­­no de comunicações. Estabeleceu-se um serviço fixo em grafia, SSB, que ligava o Comando da Região Aérea com NEGAGE, MAQUELA, CABIN­DA e TOTO, e um serviço móvel de Aeronáutica em HF que ligava os pos­tos acima referidos com algumas aeronaves que dispunham deste tipo de re­­ceptores; nos aeródromos foram mon­­ta­das as torres de controlo a operar na banda do VHF. Todas as aerona­ves, à ex­cepção do F-84, do NORD e do C-54, foram equipadas com VHF/FM para con­tacto com as forças de superfície. As únicas ajudas rádio à navegação eram radio faróis instalados nas bases principais. Foi instalado um radar em Negage, relativamente obsoleto.
 
A actividade aérea neste período continuou no ritmo já referido, não só na participação nestas operações mas também em acções de presença e de apoio logístico a militares e civis noutras áreas de Angola. Fora das zonas onde ain­da não existia presença de forças militares portuguesas, a Força Aérea actuava de forma independente, sem necessidade de coordenar a sua acção, dentro da estratégia definida a nível superior, quer através do reconhecimen­to e patrulhamento, quer por acções de ataque quando os objectivos se consi­de­ra­vam importantes.
 
A declaração de estabilidade em finais de Setembro de 1961 não significou obviamente o fim das operações militares. O regime político classificou a par­­­tir de então as operações como operações de polícia, por razões de estratégia política internacional, mas na realidade elas foram operações de guerra, na forma de guerrilha. Como se referiu, só o Norte da Província foi atingido por esta onda de violência, que era dirigida a partir do Congo.
 
A diferença fundamental na situação militar foi na forma de actuação das for­­­­ças rebeldes: na primeira fase, entre Março e Setembro, traduziu-se por mas­­­sa­­­cres de civis, com ar­mas brancas e canhangulos, em que as forças re­bel­des se movi­men­ta­vam em terreno descoberto contra as populações e forças militares, em grandes massas humanas fanatizadas. Era relativamente fá­cil detectar as movimentações destas hordas pelo reconhecimento aéreo, ou detectar sinais suspeitos de ataque iminente, as­sim como era possível con­ter o seu avanço com acções aéreas de fogo, inti­mi­datórias. Na fase que se se­guiu o inimigo dissimula-se na mata e actua por emboscada às colunas mi­li­tares, por acções de flagelação contra os quartéis, sendo muito mais difícil a sua detecção; as forças inimigas em presença passam a ter um carácter mili­tar, com preparação política e técnica, e começam a utilizar arma­mento ter­res­tre mais sofisticado - em vez das catanas e canhangulos, passsaram a ter armas automáticas, minas e morteiros, deixando de atacar as populações pa­ra atacarem as nossas forças, segundo a técnica do bate e foge, infiltrando-se na mata, difícil de penetrar pelas forças militares convencionais. Contudo, têm ou­tro tipo de difi­culdades: a aderência da população, muito alheada da motiva­ção ideo­ló­gica ou política, que na sua maioria quer paz, e a necessi­da­de de se rea­bas­tecerem do outro lado da fronteira criando corredores de infiltração com um mínimo de pontos fi­xos ou rotas determinadas indispen­sá­veis, mas detectáveis.
 
Conforme se referiu, as acções aéreas eram muito orientadas para o reconheci­mento visual, para o reconhecimento armado, para o ataque contra peque­nos alvos muito bem localizados e acerca dos quais se dispunha de informa­ção quanto à existência de guerrilheiros, para o apoio fogo directo às forças ter­res­tres, para além das acções de apoio logístico em benefício das forças militares e de civis. De realçar as missões de assalto com helicópteros, a partir da chegada dos ALIII, e tropas especi­ais, com apoio de fogo dado pelo T-6, pelo PV2, pelo F-84, e pelo heli­can­hão (tiro lateral com canhão de 20 mm). A acção de pistagem foi tam­bém executada com helicópteros e pára-quedistas, que consistia na descober­ta e seguimento de trilhos ao longo das infiltrantes do Norte, e que conduzia à detecção, aprisionamento ou ata­que de grupos guerrilheiros em acções de reabastecimento.
 
Em Angola existiu apenas uma base aérea, a B.A. nº 9, durante todo o período da guerra até 1975. Existiam dois aeródromos-base, um em Negage, o AB nº 3, constituido logo em 1961, como vimos, outro em Henrique de Car­valho, o AB nº 4, guarnecido mais tarde. Foi legalmente constituído um ter­cei­ro, o AB 10 em Ser­pa Pin­to, mas que nunca teve actividade significativa. Para além destas infraestruturas principais existiam ainda aeródromos de manobra (AM) e aeródromos de re­curso. Dependente da BA 9 existia o AM 95 em Cabinda; do AB 3 dependiam os AM 31 em Ma­­­que­la do Zombo, AM 32 no Toto, AM 33 em Malange; do AB 4 de­pendiam o AM 41 em Por­tu­gália, o AM 42 no Ca­­maxilo, o AM 43 no Ca­zom­bo e o AM 44 no Luso. Os aeródro­mos de re­curso eram os da N, Riquin­ha, do Cui­to do Canavale, de Gago Coutinho, Cacolo e Tei­xeira de Sousa, entre outros.
 
A partir dos tempos tumultuosos do ano de 1961, as operações militares em Angola entraram numa fase de rotina, na Zona de Intervenção Norte, no sentido em que assumiram uma caracterização própria da guerrilha, com controlo do território por parte das nossas forças.
 
Surgiram entretanto outros movimentos, o MPLA e a UNITA, e o movimento inicial UPA evo­luiu para FNLA. Por razões de natureza política, as forças destes movi­mentos deslocaram-se para leste, cerca de cinco anos de­pois das operações iniciais no Norte, o que forçou à criação da Zona de Inter­­ven­ção Les­te (ZIL) que abrangia os distritos da Lunda e do Moxico. A partir de 1966 as forças portuguesas passaram a confrontar os três movimentos nesta ZIL, o que obrigou a um redirecionamento do esforço. O AB 4 foi reforçado com 6 PV2, dos quais 2 estavam destacados em permanência no Luso, e em 1968 já dispõe de 1 avião Bechcraft 45, de 11 T-6G e 11 DO27 que voavam cerca de 300 horas por mês, no total.
 
A frota de helicópetros Allouette III, que havia chegado em 1963, atingiu em 1972 o seu valor máximo de 29 unidades que efectuavam cerca de 4.500 horas de voo por ano, sempre organicamente atribuida à BA9, mas com desta­ca­men­tos por várias bases do teatro de operações, em acções de transporte de assalto, de apoio de fogo e de evacuação sanitária.
 
Em 1970 chegam ao teatro de operações 5 helicópteros SA-330, PUMA, in­te­grados na ESQUADRA 94 mas a operar no Leste; no ano seguinte a frota é reforçada com mais 1 helicópetro deste tipo. Até fins de 1973 efectu­aram em média cerca de 1.200 horas de voo por ano. Estes helicópetros esti­ve­ram des­ta­cados em Moçambique, no AB 7, num total de 3 em 1973 e de 5 em 1974.
 
Entre 1963 e 1966 esteve destacado na BA 9 para patrulhamento, um avião P2V5 que efectuou 1.064 ho­­ras de voo em 508 missões no primeiro ano, 1.083 horas de voo em 162 missões no ano seguinte, e 200 horas de voo e 39 missões no último ano de destacamento.
 
No início das operações aéreas esteve destacado em Angola um avião Skymas­ter com a missão primária de lançamento de pára-quedistas e transporte geral dentro do teatro. Para além destas missões executou voos de reconheci­men­to na fronteira norte para detecção de infiltrações, ao longo dos rios Zai­re e Cuando. Ao final de poucos meses regressou à Metrópole para a execu­ção das missões de transporte inter-teatros.
 
Para além da reorientação do esforço com o surgimento da guerra a Leste, o dis­positivo altera-se ligeiramente, com maior activação dos aeródromos já men­cionados, com a introdução da frota de B-26, em número de 4 aeronaves, em Outubro de 1972, e com o abate dos aviões F-84 em Novembro seguinte.
 
O Aerodromo de Manobra do Luso passa a ser o centro das operações aéreas, com PV2, T-6, DO27 e ALL III, ali estacionados ou baseados no AB 4.
 
As operações assumiram um carácter de rotina e as forças armadas portuguesas procuravam desarticular o dispositivo inimigo, que sofria muitas dificul­da­des no terreno, de vária ordem - a primeira das quais terá sido a falta de união entre os três movimentos. A batalha pelo desenvolvimento continuava em toda a Província, agora que estavam atingidas as condições de segurança ne­ces­sá­rias.
 
 
As operações aéreas na Guiné
 
A guerra na Guiné apresentou características muito diferentes das da guerra em Angola, pela forma como foi iniciada, pela forma de organização da guer­ril­ha e pelas características geográficas do território. A prova de vi­da do mo­vi­men­to re­bel­de foi igualmente dada por um facto relativamente espectacular, traduzi­do na vandalização da infra-estrutura turística na praia de Ponta Vare­la, no Norte, que levou ao abandono da sua exploração. Antes tinha o­cor­rido uma campanha panfletária intensa, em vários pontos do território, nu­ma altu­ra em que ainda existia uma organização muito incipiente dos vá­rios movi­men­tos rebeldes. Ainda no ano de 1961, no dia 21 de Julho, o­cor­reu um ata­que a S. Domingos de que resultaram 4 feridos; em Janeiro de 1963, tem lu­gar um ou­tro ata­que agora em Tite, frente a Bis­sau, com uma bai­xa mili­tar. O esforço do movimento rebelde foi inicial­mente orienta­do pa­ra a sua orga­ni­­za­cão interna, para a for­mação de qua­dros, para o recrutamen­to de com­ba­­ten­tes, para a sua implantação no terreno, para a endoutri­na­ção ideo­ló­gi­ca, pa­­ra o treino militar, para o isolamento de algu­mas zonas cor­­tando as vias ter­­res­­tres de acesso, com mi­nas e abatizes; nos primeiros anos da sua exis­tência a manifestação da guer­rilha não foi muito visível do exte­rior. As ac­ções violentas forma diminutas. Ao con­trário do que aconte­ceu em Ango­la, aqui existia a­pe­nas um movimento; logo a seguir à fase ini­cial de subleva­ção, o Partido Africano para a Indepen­dên­cia da Guiné e de Cabo Verde, que inici­al­mente tinha outra designação, anulou outros mo­vimentos com me­nos a­poio in­ter­nacional, que entretanto se haviam cons­tituido, e pas­sou a ter po­si­­ção hegemónica. Para além do PAIGC apenas sobreviveu a FLING em­bora com uma fraca expressão.
O dispositivo aéreo na Províncía era pouco menos que rudimentar, no início de 1961, consis­tindo de um pequeno número de aviões T-6G e AUSTER. Pe­­rante a situa­ção de potencial insegurança, a Força Aérea destacou para Bis­­sau 8 aviões F-86F e o respectivo arma­men­­to. O “ferry” destas aeronaves, que con­­sis­tiu uma operação im­por­tan­te com algum risco, iniciou-se em 15 de A­gosto de 1961, utilizando a base espanhola de Gando, nas Ilhas Ca­ná­rias, e o aeródromo do Sal no ar­qui­pé­lago de Cabo Verde, e sendo apoiada por avi­ões P2V5, C-54 e DC-6 e por navios da Ar­ma­da, para apoio à nave­ga­ção, bus­­­ca e salvamento e trans­por­te de equipa­men­to de apoio. No planea­mento des­­ta missão considera­ram-se três hipó­te­ses para pontos de apoio in­termé­dios: Porto Santo - Cana­rias - Sal; Monte Real - Caná­rias - Sal; e em voo directo do Mon­tijo pa­ra o Sal. Para todas as hipóte­ses estava prevista a utilização dos quatro depósitos externos de com­­­bus­­­tí­vel do avião, confi­gu­ra­ção nunca ex­pe­ri­mentada do anterior; na úl­ti­ma hi­pótese (voo directo para o Sal) conside­ra­va-se a ejec­ção mandatória dos qua­tro depósitos em voo, de­pois de consu­mi­do o com­bus­­tível, com a úl­ti­ma par­te da rota a ser voada a 42.000 pés de altitude. No final do estudo optou-se pela segunda hipótese, com trânsito pe­las Canárias, que era a solução mais eficiente.
 
Estes aviões começaram de imediato a executar acções de soberania com sobre­voo de to­do o território, patrulhamento de vias de comunicação, fluviais e terrestres, demonstração de presença no ar, constituindo-se como uma força de dissuasão de grande im­por­tân­cia.
 
Entretanto o dispositivo terrestre vai-se ampliando, sem que as operações de instalação das forças, feitas com grande precaução, tenham colocado sérias dificulda­des, para além dos problemas relacionados com os obstáculos, minas e ar­ma­dil­has colocados nos respectivos acessos. Numa área relativamen­te pe­que­na, de cerca de 32.000 quilómetros quadrados, plana, coberta de flo­res­ta em grande parte, cortada por inúmeros rios, bra­ços de mar e ca­nais, foram consti­tui­das mais de oitenta bases de forças terrestres, cujo nú­me­ro continuou a aumentar, e construidas mais de setenta pistas para a ope­ração de aviões ligeiros. Ao con­­trário desta riqueza em aeródromos alternantes para os aviões ligeiros, os aviões F-86F operaram durante to­da a sua perma­nên­cia, até me­a­dos de Ou­tubro de 1964 (retirados do teatro por imposição americana), a partir de Bissau, sem a exis­tência de um aeró­dro­mo alternante ou de emergência; o avião G-91 que substituiu o F-86, mas só em 1967, uti­lizava ocasionalmente a pista do Gabu, para extensão do seu raio de acção em operações no Leste e Sudeste, e os aviões de transporte intermé­dio utili­za­vam regularmente as pistas de Farim, Bafatá e Gabu.
 
A primeira acção aérea de ataque real ocorreu a 4 de Abril de 1963, como ac­­­ção de demonstração e de intimidação, traduzida na execução de tiro real para u­ma faixa de terreno junto a uma povoação que o inimigo isolara. O acto que dera origem a tal acção fora a colocação da bandei­ra do PAI­GC e o alvejamento de um avião AUS­TER com armas ligeiras a par­tir da ta­­­ban­­­ca de DarSalame. Imediatamente a seguir inicia-se uma sé­rie de bom­­bardea­men­tos contra alvos, que eram locali­za­ções geográficas pre­ci­sas onde ha­via indicações de presença inimiga, selecio­na­dos ao mais alto escalão militar. Na fase mais avançada do conflito os alvos eram selecionados a partir do reconheci­mento fotográfico e visual, sistematicamente efectuado de acordo com os da­dos de Intelligence provenientes do Comando Chefe.
 
No início das operações militares, existia o Aeródromo Base nº 2 na depen­dên­cia directa da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné (ZACVG). Com a e­vo­­lução das operações militares, e o aumento de meios aéreos, este aeródromo passou a ter o estatuto de base, com a designação de Base Aérea nº 12, cons­tituindo a única unidade base do território, durante todo o período da guer­ra. Farim, Bafatá, Gabu, Aldeia Formosa e Cufar eram pistas preparadas com comprimento da ordem dos 700 metros. Os pequenos campos de avia­ção tinham um com­pri­men­to mínimo da ordem dos 400 metros.
 
Dada a dimensão do território, a condução das acções aéreas era totalmente centralizada, e só em circunstâncias muito específicas, e raras, se constituíram comandos avançados temporários, assim como destacamentos de meios aéreos.
 
De início, as frotas existentes eram de T-6G e AUSTER, sendo este substituído pelo DO-27 durante o ano de 1964. A evolução da frota foi no sentido de se estabilizar (1970) nos seguintes tipos e quantitativos: 21 helicópteros AL III, 24 DO-27, 3 C-47, 12 FIAT G-91, 18 T-6G, 3 NORDATLAS. O efec­tivo médio de pilotos era da ordem de 35, cada um qualificado em mais do que um tipo de aeronave. Com este volume de meios, a BA 12 efectu­a­va entre 20 a 30 saídas por dia, com valores de pico superiores, em condições de grande frequência de operações militares. A título de exemplo refira-se que em 1969 a BA 12 voou 17.751 horas de voo, no cumprimento de 8.275 acções aéreas, sendo cerca de 36% de transporte, 28% de evacuação sani­tária, 13% de posto de controlo em voo, 11% de ataque independente prepla­nea­do, 6% de reconhecimento visual, 3% de ataque em apoio próximo e 3% de acompanhamento de forças de superfície (colunas terrestres ou comboios fluviais). O avião que mais voava era o DO-27 logo seguido do AL III e do T-6; o FIAT G-91 voava cerca de 1.200 horas de voo por ano, com um tempo médio por saída da ordem dos 35 minu­tos. Por determinados períodos, em função da situação operacional, era destacado para Bissau um P2V5 que se encontrava no Sal em destacamento permanente, para acções de bombardea­mento, em especial bombardeamento nocturno.
 
Em 1972 a Base Aérea nº 12 efectuou 15.404 horas de voo, sendo a Unidade da Força Aérea que mais voou; em 1973 realizou 14.625 horas de voo, ou seja, cerca de menos 779 horas.
 
A Base desenvolveu uma capacidade notável, em termos de reconhecimento fotográfico, utilizando o C-47, o DO-27, e o FIAT G-91 com equipamento di­fe­rente, o que permitia montar vários mosaicos da área de operações, actuali­za­dos, de a­cor­do com as necessidades operacionais e com capacidade de res­pos­ta mui­­to curta. A exploração dos relatórios de informações do Comando Che­fe em cima deste mosaico, facilitava a identificação de locais suspeitos que e­ram a seguir confirmados pelo reconhe­ci­men­to visual. Este processo per­mitia a ela­bo­ra­ção de um ficheiro de alvos credível e de uma ordem de ba­talha actu­a­lizada. O reconhecimento visual era, sempre que possível, feito de forma sistemática, obedecendo a um plano, sem associação directa à rea­li­za­­ção de operações, e sem prejuizo de acções inopinadas na sequência de ex­ploração de notícias.
 
A guerrilha, que estava bem armada e que tinha uma capacidade operacional elevada, para a sua missão, actuava normalmente de forma muito dissimulada, através de emboscadas, ataques a quartéis, normalmente a grande distân­cia com artilha­ria, e ataques próximos contra forças militares e contra po­pu­la­ções que não lhes e­ram afectas. As bases mais importantes da guerrilha situavam-se no exterior, junto à fronteira, constituindo-se como santuários. Por raras vezes o inimigo actuou de forma quase con­vencional; nessas cir­cuns­tâncias ficava muito exposto à acção aérea, especial­men­te em áreas de menor cober­tu­ra florestal.
 
Em todos os teatros de operações o domínio do ar era absoluto, na medida em que a guerrilha não dispunha de meios aéreos. Contudo, desde o início a guerrilha procurou contrariar a acção aérea, através de artilharia anti-aérea. No caso da Guiné, verificaram-se várias fases na modalidade de acção anti-aérea. De início era feito tiro de forma indiscriminada contra todas as aerona­ves militares (houve um caso ou outro contra aeronaves civis), com armas individuais. A seguir surgiram as armas ins­ta­la­das em tripé de calibre 7,62 mm. Depois as armas de calibre 12,7 mm. As primeiras só eram efectivas a cur­ta distância, quando a aeronave estava de­nun­ci­ada e voava a baixa altitu­de. As segundas produziam maiores efeitos mas eram facilmente visíveis do ar, na medida em que normalmente se situa­vam em clareiras e o disparo era visivel do ar com relativa facilidade. A seguir a este período inicial em que parecia que todas as armas permaneciam apontadas às aeronaves, notou-se uma ausência de qualquer actividade anti-aérea em todo o tea­tro, o que terá certa­mente resultado de directiva geral nesse sentido, na medida em que tal acti­vi­da­de denunciaria a presença da guerrilha no terreno. Depois desse perí­o­do, a guerrilha adoptou armas mais poderosas, as quádruplas ZPU-4 so­viéticas de 14,5 mm, colocadas em espaldões apropriados, em zonas onde pretendia de­monstrar a sua inexpugnabilidade, inclusive no que dizia respei­to ao espa­ço aéreo - não é de crer que essa demonstração tivesse produzido os resulta­dos pretendidos, ape­sar da propaganda inimiga em sentido contrá­rio, na me­dida em que tal dis­po­si­tivo continuava a ser vulnerá­vel, por ser facilmente de­tectável e ficar sujeito ao ata­que aéreo. Ao lon­go de todo este período fo­ram atingi­das várias aeronaves, incluindo tripulan­tes, mas não se registou nen­hum caso fatal. Por exemplo, em 1966 foram atingidos 8 DO, 6 T-6, 1 ALII, 2 G-91 e 1 C-47; em 1967 5 DO, 5 T-6, 3 ALIII e 2 G-91. O caso mais grave ocorreu em 1968 quando um G-91 foi abati­do, tendo-se ejectado o piloto, com sucesso, saindo ileso.
 
Voltou-se de novo ao silêncio de armas anti-aéreas por um dado perío­do, no fim do qual se vol­tou a ob­servar nova ofensiva, a que se seguiu nova paragem - da par­­te da guer­rilha importava per­tur­bar a actividade aérea, dado que ela constituia o elemento de desiquilíbrio no desenrolar da guerra, mas é de supor que a utiliza­ção da arma anti-aérea lhe trazia dema­siados riscos. E é no fim destes ciclos, de activação/desacti­va­ção que surge o míssil superfície-ar Strella em 1973, com resultados mui­to significativos num espaço de tempo muito curto, de 23 de Março a 6 de Abril. O primeiro avião abatido foi um FIAT G-91 no corredor do Guilege, no Sul, em que o piloto se ejectou, tendo sido recuperado no dia seguinte; o segundo abate foi também 1 G-91 cerca de Madina do Boé, no centro leste; o terceiro, também G-91 ocorreu cerca de Pirada no norte leste em que o piloto foi recuperado; a seguir foi abatido um T-6 cerca de Guidage, no norte com abate do piloto, e imediatamente após foi abatido um DO, com dois pilotos, na mesma área, não sobreviventes. Isto significa que o míssil teve uma distribuição por qua­se todo o território; segundo algumas fontes, terão sido adquiridos cerca de mil mísseis, não existindo indicação do número de elementos que receberam instrução neste tipo de arma. A versão deste míssil a­pre­­­sentava no entanto uma vul­ne­­rabilidade: tinha li­mita­ções técnicas no lan­­­ça­­mento, o que condici­o­na­va o seu envelope eficaz (a muito baixa altitude era pouco eficaz, e o seu alcance rondava os 10.000 pés em altitude), e produ­zia muito fumo o que per­mi­tia a detecção do local do dis­­­paro e o sub­se­quen­te ataque. Em face das con­tra­me­di­das adoptadas deixaram de se verificar mais abates, apesar da con­tinuidade dos disparos. Em todo o caso, a sua in­tro­dução no teatro alterou substan­cial­mente a forma de operação dos meios aéreos e criou um forte sentimento de insegurança. Contudo, o esforço de voo total não foi significa­tivo, apesar da quase descativação da frota T-6; durante todo o ano de 1973 re­alizou-se 95% do total voado em 1972, não sendo evidente que esta que­bra de 5% se tenha ficado a dever exclusivamente ao efeito Strella.
 
 
As operações aéreas em Moçambique
 
A guerra em Moçambique apresentou igualmente características particulares, diferentes das de Angola e das da Guiné.
 
Os três movimentos originais, formados em 1960 e 1961 (MANU - Moçam­bi­que African National Union; UDENAMO - União Democrática Nacional de Mo­çambique; UNAMI - União Nacional Africana de Moçambique Indepen­­den­te) tinham bases regionais e motivações diferenciadas. Apesar das di­fe­renças entenderam haver alguns pontos comuns pelo que se fundiram na FRELIMO em 1962. Dentro da nova frente assim criada manifestaram-se des­­de o início discordâncias entre os seus elementos quanto à estraté­gia a se­guir; enquanto alguns propunham um ataque à capital ou aos centros do po­der estabelecido, outros optavam por incitar os camponeses contra os colo­nos portugueses, enquanto ou­tros defendiam uma luta de guerrilha pro­lon­ga­da e de desgaste, de acordo com as tácticas e técnicas comu­nis­tas. Foi esta última facção que venceu - os rebeldes prepa­ra­ram um plano de revol­tas em todo o territó­rio. Isto não teve sucesso imedi­a­to por várias ra­zões, a mais importante das quais terá resultado do facto da FRE­LI­MO dispor de u­ma força de combate muito pequena e pouco con­hecida dentro da província - a maioria da população não estava mentalizada para a independência, nem para o seu alcance pela via violenta. Quando a Tanzânia começou a facultar santuários dentro do seu território a situação alterou-se. Isto permitiu que o núcleo original da força armada, cerca de 250 combatentes no total, tivesse sido expandido gradualmen­te. Os primeiros elementos tiveram o seu treino militar na Argélia. O reconhecimento da FRELIMO pela Organi­za­ção dos Es­tados Africanos, e o apoio material, diplomático e em arma­men­to forneci­do principalmente pela União Soviética e pela China, alterou substancial­men­te as condições permitindo uma maior implantação no terreno.
 
Em 24 de Agosto de 1964 é assassinado com arma branca um missionário no planalto dos Macondes, atribuindo-se a esta acção motivação ideológica e a sua autoria a elementos rebeldes de uma organização muito pouco conhecida. Um mês depois (25 de Setembro de 1964) tem lugar o ata­que a um posto administrativo e quartel de Mue­da, ago­ra de iniciativa da FRELIMO. Estes factos criaram insegurança no Norte da Província, em especial no distrito de Cabo Delgado, o que obrigou a um dispositivo militar específico para con­tra­riar esta ameça.
 
Após o período inicial (1964/1965) a FRELIMO, com o forte apoio da tribo dos Macondes, que se estendia para além da fronteira, começou a criar bases no interior da província, nos distritos de Cabo Delgado e Niassa, divulgando a nível internacional que tinha estabelecido áreas libertadas da jurisdição portuguesa.
 
Até 1967 a FRELIMO não pôde penetrar em áreas a sul destes distritos, altura em que a actividade da guerrilha era limitada a incursões de curta distân­cia com pequenos grupos, dado existirem apenas um pequeno número de elementos a viver em permanência no território controlado pelas forças portuguesas. Os ataques eram normalmente lançados de bases no estrangeiro, junto à fronteira, e os combatentes regressavam depois do ataque.
 
Em 1964 as forças portuguesas aumentaram o seu dispositivo. Entre 1964 e 1966, quando os rebeldes começaram a operar ao nível de companhia, a guerra prosseguia a ritmo lento. A FRELIMO estabeleceu um comando central em 1966 para uma melhor coordenação das operações nas diferentes regiões, e aumentou os seus efectivos para 8.000 homens no ano seguinte, a maior parte dos quais era treinado na Tanzânia, no campo de treino de Kongwa, e os quadros no exterior, na União Soviética e na China. A ajuda so­vi­é­tica intensificou-se sob a forma de AK -47, morteiros 82 mm, canhões de 75 mm e RPG 7. A arma mais efectiva era a mina terrestre anti-pessoal e anti-tanque. O poder aéreo, nesta fase inicial, era usado para impedir o fornecimento pe­las rotas atravès das fronteiras, com a execução de um patrulhamento sistemá­tico na fronteira norte, tanto ao longo do rio Rovuma, como nas infiltrantes mais utilizadas, e como reacção imediata a ataques de guerrilha, mas os recursos eram ainda limitados. De início não existiam alvos fixos, dada a forma de actuação do inimigo, numa acção de bate e foge, e disseminação entre a população.
 
Em 1968 a FRELIMO foi reorganizada durante o seu 2º Congresso, com a abolição da divisão entre os sectores civil e militar e as unidades de combate foram destacadas por sectores, cada um dos quais com o seu próprio batal­hão, com três companhias a 150 homens. Os combatentes regulares eram apoiados pela milícia popular local. A Zâmbia tornou-se independente em 1964 e a nova nação passou também a disponibilizar bases para a FRELIMO. Para além disso, as forças destacadas passaram a constituir bases em território português. Os rebeldes passaram assim a ter capacidade para se in­fil­trarem para o dis­trito de Tete colocando uma ameaça à barragem de Cabo­ra Bassa, e co­me­çaram a receber foguetes de 122 mm com um alcance de 16 km. Nunca conseguiram interromper os trabalhos da barragem devido ao redireciona­mento correspondente das forças portuguesas.
 
A campanha rebelde na região de Tete durante 1968 foi prejudicada pela migração de uma grande parte da população nativa para o Malawi, assim como pela luta interna na FRELIMO que alcançou o seu ponto alto no início de 1969. Depois da expul­são dos tradicionalistas, durante o 2º Congresso, e da entrega às autoridades portuguesas do chefe Kavandame em 3 de Fevereiro de 1969, a FRELIMO sofreu uma viragem acentuada na sua forma de actuação. Os ataques passa­ram a ser muito mais violentos, agora já com um apoio muito importante da Zâmbia.
 
Em função da evolução da guerra, o dispositivo aéreo foi sendo estabelecido e progressivamente activado. De notar que entretanto decorreu a chamada crise do petróleo, ou crise da Beira, que envolveu reforço de meios aéreos, designadamente PV2, P2V5 e F-84G, e que não será descrita neste trabalho.
 
É interessante referir que o plano das infra-estruturas aprovado do anterior, antecipou um dispositivo ditado por razões estratégicas ou pela evolução da ameaça. A cobertura principal contemplava o Norte do território, materializa­da por uma malha de aeródromos, distantes entre si de forma compatível com o raio de acção das aeronaves atribuidas, e que cobria os distritos de Ca­bo Del­gado e Niassa, onde a subversão mais se fez sentir. A outra área re­la­ti­va­­mente coberta era a zona do distrito de Tete para onde a guerrilha diri­giu o seu esforço, a seguir ao Norte.
 
A única Base Aérea na Região era a Base Aérea nº 10, na Beira, que cons­tituiu sempre a base de rectaguarda, relativamente afastada da zona de ope­ra­ções, e essencialmente guarnecida com meios aéreos de transporte.
 
Mais a norte constituiu-se uma linha de aeródromos base, que poderíamos designar como linha tampão: o Aeródromo Base nº 5 em Nacala, o Aeródro­mo Base nº 6 em Nova Freixo, o Aerródromo Base nº 7 em Tete. Em Lou­ren­ço Marques constituiu-se o Aeró­dro­mo Base nº 8, muito distante da zona de operações, dotado apenas aviões de transporte médio, designada­men­te C-47, que inicialmente estiveram atribuidos à Base Aérea nº 10.
 
Dependentes dos Aeródromos Base (AB) existia uma malha de Aeródromos de Manobra (AM):
- do AB 5:
AM 51 em Mueda;
AM 52 em Nampula.
- do AB 6:
AM 61 em Vila Cabral (primeira localização prevista para o AB 6);
AM 62 em Marrupa.
- do AB 7:
AM 71 em Furancungo;
AM 72 em Chicoa;
AM 73 em Mutarara.
 
O Comando da Região Aérea situava-se em Lourenço Marques, tendo-se cons­­ti­tuido posteriormente o Comando Avançado de Nampula. Existiam em Mo­çambique 15 grandes infra-estruturas aeroportuárias, civis e militares (Bei­­­­ra - 3 pistas, 2400 m; Marrupa, 1560 m; Mueda - 2 pistas, 2350 m; Nacala, 2500 m; Nampula, 2000 m; Nova Freixo, 2500m; Porto Amélia, 1800m; Quelimane, 1800m, Tete, 2500m; Vila Cabral, 2000m; Furancungo; Chicoa; Mutarara; Lourenço Marques; Tenente Valadim), e mais de 200 pistas de aterragem com comprimento superior a 700 metros distribuidas por todo o território, conforme já se disse.
 
A quase totalidade destes aeródromos ainda estava em construção no ano de 1962. Para além dos aeródromos base e dos aeródromos de manobra acima mencionados existia um conjunto de aeródromos de recurso, onde existiam as facilidades mínimas para a operação aérea.
 
Em 1963 apenas estavam activados a Base Aérea nº 10, com 6 C-47, 4 NORD e 4 PV2, e o AB 5 em Nacala com 9 T-6, 8 DO-27 e 2 AUSTER.
 
A partir de 1964 começa o reforço da dotação que prossegue a um ritmo rápi­do, na medida das possibilidades então existentes, tendo em conta o empen­ha­mento da Força Aérea nos ou­tros dois teatros de operações. Assim, em 1965 a BA 10 é reforçada com 2 DO-27 e 4 AUSTER; o AB 5 passa a ter 21 T-6, 14 DO-27, e 15 AUSTER; e o AB 8 é dotado com 5 C-47, 2 DO-27 e 2 AUSTER.
 
Numa segunda fase o AB 6 é guarnecido com 8 T-6, 9 DO-27 e 4 AUSTER, e são atribuidos ao AB 7, 7 DO-27, 4 AUSTER e 8 T-6.
 
Em 1967 estavam atribuidos à 3ª Região Aérea 9 NORD, 6 C-47, 6 PV2, 24 DO-27, 16 AUSTER, 45 T-6G, e 6 AL III, tendo sido realizadas no ano se­guin­te 16.368 horas de voo e cerca de 8.000 missões.
 
A 25 de Dezembro de 1968 chegam ao porto da Beira os primeiros 8 FIAT G91, desmontados e em contentores. Seis dias depois todos estavam monta­dos e transferidos para o AB 5 em Nacala, em situação de prontos para ope­ra­ções, dado que os pilotos já tinham sido previamente colocados na Região Aérea.
 
Em Setembro de 1970 chega ao porto da Beira a segunda leva de FIAT G91, num total de oito aeronaves. Depois da montagem e teste voam para o AB 7 em Tete.
 
Em 1970 o efectivo era o seguinte: 35 DO, 36 T-6, 25 ALIII, 16 G-91, 5 C-47, 8 NORD, 13 AUSTER, 4 Cherokee e 6 CESSNA, com 102 pilotos atribuí­dos. A quase totalidade destes meios estava atribuida aos aeródromos do norte. Nesse mesmo ano foram efectuadas 15.736 horas de voo, no cumpri­mento de 10.969 acções aéreas. Em 1972 efectuaram-se 27.839 horas de voo e em 1973 voaram-se 35.026 horas. Estes números reflectem bem o aumento brusco da actividade aérea, que quase duplicou num ano, e que continuou num cresscendo.
 
Em 1974 existiam em todo o teatro 5 SA-330, 27 DO, 26 T-6, 31 ALL III, 16 FIAT G-91, 9 NORD, 8 C-47, 10 AUSTER, 4 Cherokee e 6 Cessna. O número total de pilotos era de 122, que voaram, no primeiro semestre um total de 15.760 horas, assim distribuidas: ALL III - 5.267; DO 27 - 3.104; T-6 - 1.842; NORD - 1.816; C-47 - 1.566; FIAT G-91 - 894; e SA 330 - 569; Auster, Cherokee e Cessna voaram no conjunto 702 horas.
 
Estes números mostram claramente a evolução na dotação dos meios e o in­cre­mento progressivo do esforço de voo, ou seja, a intensificação da guerra.
 
Conforme já referido, depois do início da barragem de Cabora Bassa, a guerrilha montou um dis­po­sitivo na área de Tete, realizando um conjunto de acções que tinham em vis­ta mostrar presença, atacar as unidades terrestres e impedir o desenvolvi­mento da construção da barragem. A ordem de batalha foi assim alterada e a guerra estendeu-se a Oeste da Província.
 
Os aviões FIAT começaram a operar em finais de 1968 no AB5; foi consti­tuí­da uma segunda ESQUADRA em 1970 no AB 7; efectuaram destacamentos no AM52, em Porto Amélia e no AM 51, de forma regular, e operaram ainda no AB 6, no AM 61 e na BA 10.
 
Os AL III chegaram a atingir o quantitativo total de 31, que operaram a par­tir do AM 52, AM 51, AM 61 e da BA 10, e era a frota que mais voava.
 
As operações assumiam um carácter semelhante às que decorriam nos outros teatros. Na fase inicial a missão mais importante era a detecção das incur­sões provindas do Norte e subsequente ataque, na modalidade de reconhecimento armado. O apoio aéreo próximo era igualmente relevante, como reta­liação aos ataques feitos pelas forças da FRELIMO aos aquartelamentos das nossas forças ou a povoações. O avião disponível para esta missão era o T-6 armado, na fase inicial. O reconhecimento visual era executado, essencial­mente pelo avião DO-27; para o reconhecimento fotográfico era utilizado o C-47 que efectuava a cobertura actualizada das principais bases inimigas.
 
A partir de 1968 entra em acção o avião FIAT G-91 que altera o potencial ofensivo, de forma muito significativa, não só pelo poder de fogo como pela elevada capacidade de resposta, respondendo em minutos aos pedidos de apoio aéreo pelo fogo.
 
Em 10 de Junho de 1970 é lançada a maior operação da guerra no Ultramar, designa­da por Operação Nó Górdio, no norte de Moçambique, que envolveu de início cerca de 10.000 homens, integrados em forças de combate e de apoio, com o objectivo de desarticular o dispositivo da FRELIMO e recupe­rar populações reféns da guerrilha. A operação assumiu aspectos de opera­ção clássica, com ataque a bases inimigas, muito bem defendidas, abertura de itinerários, en­vol­vi­men­to ou cerco das forças da guerrilha, e durou cerca de oito meses, envolvendo em termos acumulados cerca de 30.000 homens. A quase totalidade dos meios aéreos esteve empenhada nesta operação, com o bombardeamento das bases, o transporte de assalto com for­ças especiais em ALIII, o transporte aéreo de forças e material para a zo­na de operações, o reconhecimento visual e fotográfico de presença inimiga, a evacuação sanitária do local de acção com helicópteros e aviões. A reacção anti-aérea neste período foi bastante intensa.
 
A experiência operacional em Moçambique demonstrou de forma evidente uma das características fundamentais do poder aéreo, que é a mobilidade. De facto, de acordo com as exigências operacionais os meios aéreos desloca­vam-se com frequência, para grandes distâncias para a realização de opera­ções específicas, mais do que em qualquer um dos outros teatros de opera­ções, para constituirem agrupamentos operacionais que actuavam coordena­dos a partir da mesma plataforma ou de bases próximas.
 
O inimigo dispunha de artilharia anti-aérea calibre 12,7 mm, mais concen­trada no planalto dos Macondes. Em 1965 atingiu 5 DO, 8 T-6 e 1 Auster; em 1966 7 DO, 8 T-6, 1 Auster, 1 NORD e 1 PV2; em 1967 atingiu 14 T-6, um dos quais abatido com o piloto; em 1972 5 DO, 11 T-6, dos quais 2 abatidos, 11 AL III de que resultou a morte de um piloto e de um mecânico e de 4 pilotos feridos, 2 G-91 e 3 NORD; em 1973 7 G-91, 3 C-47 de que resultou a morte de um radiotelegrafista, 5 NORD, 11 DO, 3 T-6, 10 AL III de que resultou a morte de um piloto e de dois atiradores, mais dois pilotos feridos, e 1 C-47; no primeiro semestre de 1974 11 DO, 3 T-6, 10 AL III com a morte de um piloto e dois atiradores, e mais dois pilotos feridos.
 
A aquisição do mís­sil Strella não conseguiu produzir os resultados obtidos que tinha produzido na Guiné, funda­men­tal­mente porque já não constituiu sur­pre­sa e já tinham sido introduzidas as adequadas contra-medidas. O único caso de impacto com sucesso deu-se contra um C-47 ao ser atingido por um míssil; o impacto deu-se num dos motores, mas mesmo nestas condições a tripulação conseguiu ater­rar numa pista de emer­gên­cia - esta aeronave trans­por­ta­va adi­dos mili­tares estrangei­ros em visita ao teatro de operações, que não tiveram, à altura, uma percepção correcta do aconteci­do.
 
As grandes distâncias entre o Comando Operacional, as unidades de base e as zonas de operações dificultaram naturalmente a coordenação da actividade aérea e a cooperação com as forças de superfície, consumindo mui­tas ho­ras de voo em trânsito.
 
 
Conclusões
 
O esforço de voo realizado pela Força Aérea na Guerra do Ultramar atingiu números altamente significativos, tendo em conta as capacidades nacionais. Durante este período os efectivos mais do que duplicaram, e o número total de horas de voo aproximou-se da meta das cem mil. Tomando os valores de 1972 e 1973, últimos anos da guerra, a 1ª Região Aérea voou 32.698 e 29.420 respectivamente; a 2ª Região Aérea 33.917 e 29.789; a 3ª Região Aérea 29.944 e 37.324. Quer dizer que tanto a 1ª como a 2ª Região Aérea reduzi­ram a actividade de um ano para o outro, ao passo que a 3ª Região teve uma su­bida extraordinária de cerca de 25%, o que é notável, e reflecte a intensi­ficação da guerra neste período.
 
Quanto a Unidades de Base, aquela que mais voou foi a Base Aérea nº 12, na Guiné. Para se ter uma ordem de grandeza, em 1972 a BA 12 voou cerca de 15.400 horas, a BA 9 em Luanda cerca de 14.000 horas, o AB 4 em Hen­rique de Carvalho cerca de 13.100 horas, o AB 5 em Nacala cerca de 10.500 horas e o AB 7 em Tete cerca de 10.100 horas. O AB 5 voou mais 3.000 horas em 1973 do que no ano anterior e o AB 7 mais 2.000.
 
Este números dão uma indicação do esforço dispendido por todo o pessoal da Força Aérea nesse período. De facto, ao fazer a avaliação deste esforço se­rá sempre necessário ter em mente a ideia de sistema no que diz respeito ao emprego do poder aéreo, com a aeronave no seu centro.
 
Dada a continuada depen­dên­cia dos meios aéreos em infra-estruturas no terre­no, a pri­meira preocupação dos responsá­veis pelo planeamento foi a cria­ção das condições que permitissem a opera­ção aérea, em condições satisfató­rias de segurança, não só ao ní­vel do teatro mas também na ligação entre tea­tros, que não existiam antes - as ajudas à na­ve­ga­ção e à aproximação aos ae­ró­dromos foram as mí­nimas indispensá­veis, e neste aspec­to não existe nen­hu­ma comparação com o que actualmen­te se passa.
Apesar das condições difíceis da operação, sem apoios eficazes para a referen­ciação e navegação, os casos de fratricídio, muito frequentes em ambi­entes desta natureza, foram muito raros, ou quase inexistentes, ao longo dos treze anos de guerra.
 
Um outro aspecto relevante a mencionar é o que se refere à sustentação das forças, de forma continuada no tem­­­po; na experiência portuguesa este foi um objectivo atingido de forma no­tá­vel, dentro das limitações existentes, que eram pesadas. Esta sustentação te­ve a ver, não só com a aquisição e pron­tidão dos meios materiais, o apoio lo­­­gís­tico a três teatros situados a gran­de distância, mas tam­bém com o recrutamento e a formação de pes­­­­soal qualifi­cado, o que impli­cou um esforço de retaguarda tão importante co­­mo o es­forço na linha da fren­­­te. Os centros de preparação operacional na Metró­po­le que entretanto se formaram para responder às necessidades opera­ci­onais, iam sedimentando ensinamentos e criando doutrina, dado que o pes­so­­al formador, em rotação per­ma­nente, dispunha de experiência ul­tra­ma­rina, em regra. A operação e manutenção dos meios aéreos exigia pessoal bem treinado para se atingirem os objectivos impostos pela guerra, em níveis acei­­tá­­veis de segurança de voo, e isso, não sendo tarefa fácil, foi atingido de for­ma satisfatória, em especial naquelas unidades aéreas onde foi pos­sí­vel man­ter um bom enquadramento do pessoal. A rusticidade da operação e manu­ten­ção exigia cuidados especiais para se evitarem situações de risco acresci­do. Tão importante como as condições materiais eram as condições men­tais, a preparação psicológica dos combatentes e o apoio da Nação - a guerra tinha estas duas frentes, igualmente importantes.
 
Importa fazer uma referência à natureza da guerra.
 
Os guerrilheiros não podem dispôr de poder aéreo, por razões inerentes à própria natureza da guerra e porque ele é necessariamente conspícuo, e esta é uma das carac­te­­rís­ti­cas, entre muitas ou­tras, que a distingue da guerra con­ven­ci­o­nal. O Po­der Aéreo, quando usado de forma correcta, nes­te contexto, é um factor de desiquilíbrio porque explo­ra a terceira dimen­são de forma envolvente, em termos de projecção de força, de visibilidade, de penalização ou de fla­gelação, crian­do incerteza e insegurança, e também em termos de apoio às popu­la­ções. A competição pe­la segurança das populações era um dos objectivos de ambas as partes em confli­to.
 
O combate à guerrilha pode não exigir meios altamente sofisticados, mas o mais importante é manter pre­sença, criar insegurança aos guerrilheiros e po­pu­lações que os apoiem, con­quistar as populações através de acções coope­ra­ti­vas e justas que permi­tam uma melhoria de condição de vida - neste contex­to, os meios aéreos desempenham um papel relevante. Diz-se normalmen­te que o objectivo principal da guerrilha é o desgaste das forças conven­ci­o­nais, o que é uma verdade; mas também não é menos verdade que a guer­ril­ha também se desgasta se se exercer uma pressão continuada sobre as suas forças e uma acção psiciológica que influencie também as populações e de­gra­de a vonta­de de combater, embora se reconheça que isto envolve custos as­sinaláveis. O objectivo do guerrilheiro é conquistar o poder político no tempo da sua vida, e o prolongamento da sua actividade subversiva também lhe produz desgaste, não só físico, mas também psicológico.
 
Face a uma carência natural de recursos, a necessidade do aproveitamento da característica de flexibilidade e da versatilidade do meio aéreo tornou-se mandatório. Meios aéreos concebidos para o patrulha­men­to marítimo foram utilizados como meios de ataque, de apoio próximo, de evacuação sanitária e até de transporte. Meios aéreos de trans­porte geral fo­ram aproveitados para ataque e reconhecimento. Aviões de ins­trução fo­ram adaptados para aviões de ataque ao solo - o avião T-6 foi a ae­ro­nave de apoio próximo às forças de superfície mais utilizada, em todos os teatros, com resultados muito positivos. A mobilidade táctica das forças, pro­porcio­nada pelos helicópteros foi determinante para o sucesso de muitas opera­ções; a coordenação desta ma­no­bra com o apoio de fogo fornecido pe­los aviões convencionais e/ou de reacção, atingiu níveis de precisão notá­veis.
 
Conforme ficou demonstrado pelos factos, o Poder Aéreo constitui um factor de desiquilíbrio em guerra de guerrilha, a favor das forças convencionais, por ter acesso a todos os pontos do teatro, dificultando a criação de santuários indispensáveis à guerrilha, pela capacidade de observação forçando à ca­­­mu­­fla­gem do inimigo, camuflagem que nunca é totalmente eficaz, pela capa­cida­de ofensiva, e pela possibilidade de apoio às populações em vários domí­nios.
 
Na guerra de contra guerrilha há lugar à diferença entre operação conjunta e o­pe­ra­ção de apoio, na medida em que naquela a definição de objectivos e a con­­cep­­ção da manobra são estabeleci­das pelas forças participantes, exploran­do as sinergias resultantes das capacidades próprias de cada tipo de força. A operação de apoio responde a solicitações precisas emitidas pelas unida­des apoiadas; contudo, para este tipo de operação torna-se mandatório o es­ta­be­­le­ci­men­to de padrões de execução que permitam uma melhor compre­en­são das potencialidades e vulnerabilidades do meio aéreo, que resulta na ex­plora­ção maximizada das capacidades da força apoiante. Esta diferença foi muito importante em determinadas condições, pese embora a dificuldade em ser gerida de forma perfeita pela própria natureza do ambiente de combate.
 
Ao nível da execução, para além dos problemas próprios da navegação, em muitas circunstâncias era tão difícil detectar os alvos inimigos como referenciar as forças amigas - com a tecnologia disponível na altura esse era um problema muito difícil de resolver, dificuldade que no entanto não condu­ziu a situa­ções de fratricídio. Não se dispunha de armamento guiado, mas a sua ine­xistência não afectou substancialmente os resultados das operações, dada a natureza dos alvos, o nível de treino da grande maioria das tripula­ções e a superiori­dade aérea local, até ao aparecimento do míssil, que permitia uma certa estabilidade na execução do ataque.
 
Na contra guerrilha não são necessários meios muito sofisticados de combate, mas é determinante saber explorar as potencialidades desses meios face às necessidades de missão.
 
No caso português, na luta entre a aeronave e as armas anti-aéreas aquela con­­­­se­­guiu sobreviver, adoptando tácticas apropriadas e reagindo de forma pe­­­­na­­­­li­­zadora para o lançador do ataque contra a aeronave. Diz-se, com fre­quência, que foi o aparecimento do míssil Stre­l­la que fez com que a guerra terminasse mais cedo. Em nosso entender, esta análise carece de fundamento­, sendo certo que o abate de vários aviões num período de tempo muito curto produziu um efeito psicológico muito importante, pela surpresa, o que não impediu que a reacção se manifestasse e fizesse baixar drasticamente os resultados iniciais. Conforme se referiu, na Guiné, onde o efeito se verificou, em 1973 voaram-se apenas menos 779 horas, ou seja, cerca de 5%.
 
Em todos os teatros a Força Aérea, para além da participação em operações conjuntas e de apoio, actuou de forma autónoma no planeamento e execução de muitas acções, como era por exemplo o caso do reconhecimento aéreo sis­temático na exploração de notícias ou dos relatórios de operações, ou o ataque selectivo a posições inimigas que se constituiam como alvos de opor­tu­nidade, ou em zonas onde não era fácil o acesso ter­restre. Em todos os tea­tros foram marcadas zonas de livre intervenção da Força Aérea, onde não era necessária a coordenação prévia para a realização de operações, de acordo com directivas superiores da estratégia da guerra.
A possibilidade do helitransporte de tropas frescas para o local de acção, qual­­quer que fosse o grau de acessibilidade terrestre a esse local, fez alterar a forma de fazer a guerra e terá constituído um factor de desequilíbrio a desfavor da guerrilha. O planeamento desta acção requeria cuidados especiais para se obter alguma surpresa, sendo igualmente necessário o correspondente apoio de fogo para minimizar as vulnerabilidades, em especial no momen­to da largada.
 
Na guerra de guerrilha é muito mais difícil obter informação precisa sobre os objectivos militares, porque o guerrilheiro vive misturado com a população. Contudo, esta posição de princípio muitas vezes não tem correspondência com a realidade; à medida que a guerrilha evolui vai criando uma configuração mais próxima da das forças convencionais, não dispensando no entanto a população como sua matéria-prima e como fonte de apoio logístico.
 
A guerra terminou com o fim do regime político em Portugal, donde resultou a independência formal desses territórios ultramarinos, a que se seguiu uma guerra civil por mais cerca de vinte anos nalguns deles. A área de cooperação que mais ce­do se iniciou e mais se desenvolveu entre Portugal e os no­vos países, foi jus­tamente a área militar, o que parece ser de realçar na me­dida em que tal facto decorre do respeito mútuo e do reconhecimento papel dos combatentes.
 
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*      Vice-Presidente da Assembleia-Geral da Revista Militar.
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2011-11-12
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