Nº 2536 - Maio de 2013
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Mulheres nas Forças Armadas Portuguesas: A realidade da Força Aérea
Tenente-coronel
Cristina Fachada
Major
Nuno Quirino Martins
Tenente-coronel
Maria João Oliveira
Tenente
Raquel Quintas
Tenente-coronel
Ana Cristina Telha

Introdução

Ser militar – no mar, em terra ou no ar –, é uma condição, alicerçada numa vocação, identificação, ou, até mesmo, paixão, que se destina a servir a Pátria... o Povo... a Nação.

Ser militar, é uma forma de «estar e atuar», que agrega, no exercício nacional ou supranacional, todas as especialidades – do apoio, à manutenção e ao operacional.

Ser militar, é saber, conjunta e combinadamente, operar, com as diferentes categorias – do oficial, ao sargento e ao praça/soldado –, em prol da missão, do dever e do pátrio resultado.

Ser militar, é, no dia a dia, o Código de Honra prezar e dignificar, e ambos os géneros – masculino e feminino – mobilizar, não com a preocupação de «tornar igual o que é essencialmente diferente, nem de tornar diferente o que é igual», mas, sim, de fazer justiça ao sentimento sempre nobre e atual, que move todos aqueles que integram um castrense contingente: O Orgulho de Ser Português e Militar, e A Pátria Querer Bem Servir e Amar.

Cristina Fachada

 

Depois de uma primeira experiência de sucesso com as enfermeiras paraquedistas, ainda foram necessários alguns anos para que a presença das mulheres nas Forças Armadas (FFAA) fosse repensada.

Agosto de 1988 assinala, assim, perante o entusiasmo de uns, e o ceticismo de outros, a data em que a Força Aérea Portuguesa (FAP), recebeu os primeiros elementos femininos, destinados ao Curso de Licenciatura em Ciências Militares Aeronáuticas, especialidade de Piloto Aviador da Academia da Força Aérea (AFA). Paula Costa e Sofia Pinto foram, então, as duas pioneiras, de entre as quais apenas a primeira terminou a sua formação.

Neste âmbito, e prestes a completarem-se vinte e cinco anos, “qual o balanço a fazer?”, foi a questão que, muito cordialmente, o Presidente da Direção da Revista Militar, Sua Excelência o General José Luís Pinto Ramalho nos endereçou, como o primeiro ramo das FFAA a admitir mulheres no seu contingente de efetivos, associado ao honroso convite para redigir um artigo a ser publicado, durante o corrente ano, numa edição especial dedicada à temática das Mulheres nas FFAA.

Este artigo, constituindo-se, assim, como uma síntese da História da Mulher Aeronáutica – naturalmente interpretativa, porque, não obstante o constante esforço de isenção por parte dos cinco autores que a escreveram, existe sempre um cunho pessoal, quanto muito na escolha de uma, e não outra, abordagem, questão, etc. –, norteou-se pelo propósito de disponibilizar um enquadramento do tema. Enquadramento temático, através, por um lado, da sistematização dos resultados das investigações e reflexões de alguns especialistas nesta área, e, por outro, do estudo e descrição desta realidade na Força Aérea Portuguesa.

Relativamente à estrutura seguida, tem-se que, no primeiro capítulo, Síntese do paradigma, é realizada uma revisão, mais teórica, que combina as perspetivas historiográfica, sociológica, cultural, estrutural e quiçá política sobre os desenvolvimentos do papel das mulheres nas FFAA.

No segundo capítulo, História da mulher aeronáutica, é apresentada uma breve resenha sobre: as pioneiras da aviação no plano supranacional, a realidade da militar portuguesa, de 1961 a 1988, e da militar na Força Aérea, de 1988 a 2012, com a inclusão, entre outros, de aspetos de legislação.

No terceiro capítulo, Estado da arte atual, são aventadas questões relacionadas com a realidade feminina na FAP: ao nível da sociografia (fotografia social), da carreira e de algumas especificidades, como é o caso do fardamento, apresentação e ataviamento, e maternidade.

No quarto capítulo, Experiências na primeira pessoa, inclui-se, então, um resumo das oito entrevistas realizadas, desde a pioneira dos quadros permanentes (QP), às pioneiras das três categorias do regime de contrato (RC). Oito casos pessoais que, como é lógico, não se reduzem à totalidade das experiências na primeira pessoa existentes na FAP, nem, por esta mesma razão, são representativos de todo o universo de exemplos existentes no mais novo ramo das FFAA. Mas que, tal como referido no início, foram o resultado de uma escolha, entre outras possíveis, realizada pelos autores face ao desafio lançado. Uma escolha que, em concreto, passa por dar a conhecer um pouco: da Pilotagem Aeronáutica – no passado (ex-Major Paula Costa), no presente (Tenente Joana Marques) e no futuro (Cadete-aluna Maria Franco); de algumas carreiras com uma grande componente operacional, por exemplo, na área da Pilotagem (Tenente-Coronel Piloto Aviador Diná Azevedo) e da Medicina Aeronáutica – Cirurgia Geral (Tenente-Coronel Médica Regina Ramos); da narrativa de três militares que, não obstante estarem, à presente data, integradas nos QP, fizeram a sua incorporação na FAP pelo RC, designadamente, nos primeiros cursos de – oficial, em 24 de fevereiro de 1992 (Major Técnica de Operações de Meteorologia Lídia Santana) e de praça, em 11 de novembro de 1991 e em 24 de fevereiro de 1992 (Alferes Técnica de Manutenção de Material Aéreo Vitalina Martins e Primeiro-Sargento Mecânica de Eletrónica Célia Machado, respetivamente).

No quinto, e último capítulo, Súmula, tecem-se, como o próprio nome indica, algumas considerações e conclusões finais.

 

Síntese do paradigma

Em Portugal – como de resto noutros países – a história recente das Forças Armadas reservou um lugar extremamente modesto à participação feminina nas fileiras. A presença feminina limitou-se a algumas experiências pontuais e relativamente efémeras, mas que não deixam de revestir-se de certo interesse pelo seu caráter pioneiro num processo que presentemente pode considerar-se irreversível.

Helena Carreiras

 

A assiduidade absoluta dos homens no teatro de guerra e a ausência das mulheres nas fileiras de combatentes conduziu à especulação secular sobre a responsabilidade dos fatores genéticos na caracterização desta situação. Segundo Anthony Giddens (1997), os valores guerreiros, que colocam o acento na aventura, na ousadia e no “espírito de corpo”, têm estado sempre muito mais associados aos homens do que às mulheres. No entanto, tal ocorrência, replicada em qualquer conflito de violência armada, arquivado na história mundial, pode dever-se ao facto de os homens terem chamado mais a si a guerra, do mesmo modo como o fizeram com outras instituições em que se concentra o poder. Mady Segal (1999, 17), vinca esta hegemonia de género na esfera militar reforçando que “as forças armadas são a mais masculina de todas as instituições sociais”.

Mas o princípio do “elo mais forte” ou “monopólio de género”, conforme qualifica Fabrizio Battistelli (1999), tem vindo a perder a predominância de outros tempos. Na organização social das forças armadas tem-se verificado uma alteração substancial no papel da mulher, conforme se pode constatar nas três fases da modernidade propostas por Charles Moskos (1988), a saber: na era moderna (projetada até 1945), assumiam a identidade de corpos separados da estrutura militar ou estavam, simplesmente, excluídas; na era da modernidade tardia (entre 1945 até 1990), registavam uma integração parcial; e por fim, na era da pós-modernidade (após 1990), afirmam-se, tal como os homens, com a integração total.

Esta mutação de comportamento é assinalável e, até certo ponto, revolucionária. As mulheres passam de “objeto” a “sujeito”, segundo Battistelli (1999), abandonando a atitude tímida, circunscrita às atividades subalternas nos acampamentos e campos de batalha, de “apoio à guerra”, para uma autêntica “participação militar”, com intervenção muito ativa nos teatros de operações/guerra. O exemplo da militar piloto de bombardeiro ilustra o novo papel da mulher no empenhamento da força.

A alteração ao paradigma do “ethos militar” milenar, suscitou o interesse de alguns investigadores como é o caso de Mady Segal (1999, 17) que desenvolveu a “teoria das variáveis que influenciam o grau e natureza da participação das mulheres nas forças armadas” ao longo da história e em diferentes países. Esta abordagem demonstra quais as razões explicativas do grau de representatividade e natureza das atividades das mulheres nas forças armadas. Estas razões podem ter três origens: podem ser de ordem militar (inclui as caraterísticas relativas à situação de segurança da nação e os aspetos da organização e da atividade militares que têm influência sobre as funções das mulheres, tais como a tecnologia militar e as políticas de admissão); podem depender da estrutura social (inclui aspetos relativos aos papéis civis das mulheres e variáveis socioestruturais mais genéricas de caráter civil que afetam as funções das mulheres, tais como os padrões demográficos, as caraterísticas do mercado de trabalho e respetiva segregação profissional de sexos e a estrutura familiar); e podem decorrer dos padrões culturais (inclui aspetos que dizem respeito à construção social de funções associadas ao género e à família tais como o discurso público sobre género e os valores relativos a atribuição e equidade).

Num caminho paralelo, segue a discussão sobre as razões que justificam a expansão das funções militares das mulheres ao longo da história e através das nações. Para Segal (1999), existem duas razões fundamentais: por um lado, por “necessidade de pessoal” para preencher funções de apoio para as quais não existem recursos masculinos disponíveis, libertando assim os homens para as tarefas essencialmente combatentes; por outro lado, enquanto expressão da “igualdade de género” que prolifera como tendência marcante em todas as esferas das sociedades contemporâneas, sendo que esta justificação é a que, atualmente, acolhe maior aprovação, pela comunidade científica.

Mas a igualdade de género nas forças armadas, não garante, por si só, a integração, afirmação e hegemonia efetiva, equiparada ou partilhada entre sexos. O aumento da igualdade de género na instituição castrense, conforme defende Helena Carreiras (2004), não ocorre automaticamente como consequência natural das tendências sociais ou do aumento da representação numérica, mas através da existência de políticas específicas e da forma como fatores exteriores venham a determinar orientações e processos de decisão no interior das forças armadas. No entanto, a mudança de paradigma protagonizado pela incorporação de mulheres na esfera militar pode considerar-se, segundo José Alves (1999), como um resultado do longo processo de defesa da igualdade de tratamento e oportunidades entre indivíduos de ambos os sexos.

Como em tantas outras esferas sociais, as consequências da modernidade também afetaram a estrutura militar. Atualmente estão criadas as condições para que as diferenças ocupacionais entre géneros se dirimam nas missões de combate atendendo a que a realidade operacional não exige, na sua maioria, as competências físicas que tornavam o elemento masculino como o fator crítico de sucesso que garantia vantagem liminar no campo de batalha. Com os avanços tecnológicos, com especial destaque nos sistemas de armas inteligentes e nas novas formas de intervenção baseadas essencialmente na dissuasão, que são caraterísticas inexoráveis do combate militar moderno, tem-se facilitado gradualmente o desempenho de funções que realmente se coadunam com as competências técnicas e psicológicas femininas.

A chegada da mulher ao palco da guerra ainda surpreende alguns, tanto ao nível dos seus pares de vocação e profissão, bem como da população local onde se desenvolve a missão, ambos afetados por um denominador comum: o fator cultural. Independentemente da miríade de sentimentos que desperta a imagem da mulher na primeira linha do combate, José Alves (1999) considera que esta presença constitui um estado avançado de uma longa luta de emancipação. Segundo o apurado pelo autor, as diferentes forças armadas da OTAN, dão sinais claros de que caminham nesse sentido ao integrarem mulheres piloto de aviões de transporte, de reabastecimento, de combate, instrutoras de pilotagem, embarcadas em navios, colocadas em unidades operacionais terrestres, nas polícias militares, nos sistemas de comando e controlo ou, ainda, nos sistemas logísticos.

Ainda no âmbito da integração, Carreiras (Idem, 86) alerta para o facto de que a diversidade social interna de cada país pode conflituar com a dos parceiros, especialmente no cenário atual em que as missões militares são marcadas pela participação em operações multinacionais destinadas a assegurar a paz e estabilidade a uma escala global. Deste modo, não basta aos líderes militares procurarem a harmonização de procedimentos e equipamentos, quando destacados ou integrados em forças internacionais, mas também atender a um conjunto de aspetos de cariz cultural, decorrentes da cooperação entre contingentes militares com diferentes políticas de gestão de pessoal, incluindo, obviamente, o desempenho feminino na esfera militar.

Em síntese, e invocando a perspetiva do General Loureiro dos Santos (2012, 66), o ingresso das mulheres nas fileiras militares “foi uma medida que concretizou o respeito do direito à igualdade de género consagrado na Constituição (…) e transformou-se num importante fator de modernização e atualização das nossas estruturas militares”. No entanto, a adaptação militar decor-
rente da integração feminina não é consensual, podendo ser facilitada por um lado através do limar de pequenas arestas institucionais ou por outro, através da implementação de profundas alterações estruturais, tanto na sua organização e funcionamento como nas práticas comportamentais específicas (Idem).

 

História da mulher aeronáutica

When I saw how easily the man flyers manipulated their machines, I said I could fly.

Harriet Quimby

 

As pioneiras da aviação

O acervo da aviação testemunha inúmeros acontecimentos onde o espírito aventureiro, a determinação, a coragem e o profissionalismo são determinantes no cumprimento da missão. E por mais curioso que possa parecer, no âmbito da temática em estudo, muitos desses acontecimentos foram protagonizados por mulheres piloto aviadoras. Deste modo, é incontornável a referência a algumas das muitas mulheres que contribuíram para a afirmação feminina no campo aeronáutico, merecendo o título de “pioneiras da aviação” (Jenkins, 2012), e que, em tom de tributo, são apresentadas por ordem cronológica de nascimento:

Harriet Quimby (1875 – 1912), americana, foi a primeira mulher a receber o brevet de piloto nos Estados Unidos da América, em agosto de 1911. Exerceu a sua atividade profissional enquanto jornalista, mas notabilizou-se enquanto aviadora, servindo de inspiração a muitas jovens da sua época. Protagonizou a primeira travessia feminina do Canal Inglês e faleceu no exercício de um espetáculo aéreo, em Massachusetts;

Helene Dutrieu (1877 – 1961), belga, foi a primeira mulher a receber o brevet de piloto na Bélgica, em novembro de 1910. Protagonista de alguns recordes de altitude e distância, foi também a primeira mulher a voar mais de uma hora, e a primeira a voar com um passageiro;

Raymonde de Laroche (1882 – 1919), francesa, foi a primeira mulher a receber o brevet de piloto no mundo, em março de 1910. Estabeleceu dois recordes mundiais, em 1919, dentro da comunidade feminina, ao executar o voo mais longo, com uma distância de 323 quilómetros e uma altitude de 4785 metros. Faleceu ao executar uma aterragem mal sucedida, durante um voo num avião experimental;

Elizabeth “Bessie” Coleman (1892 – 1926), americana, foi a primeira negra a receber o brevet de piloto, em junho de 1921, fora do seu país de origem, concretamente, em França. Notabilizou-se enquanto piloto de acrobacia aérea, mas foi a luta contra o racismo e a favor da igualdade de géneros que a distinguiu das demais, nos momentos iniciais da aviação;

Amelia Earhart (1897 – 1937), americana, recebeu o brevet de piloto em 15 de maio de 1923, referenciada como uma das aviadoras mais famosas do mundo por ter sido pioneira nalguns episódios aeronáuticos, tais como o sobrevoo da América do Norte ou do oceano Pacífico com o propósito de dar a volta ao globo. O seu desaparecimento ocorreu na tentativa de concretizar este objetivo, sendo que as causas permanecem ainda hoje envoltas em profundo mistério;

Amy Johnson (1903 – 1941), britânica, recebeu o brevet de piloto em 1929 e foi a primeira mulher a voar de Londres à Austrália, Moscovo, Japão e África do Sul. Durante a Segunda Guerra Mundial, exerceu funções na Women’s Auxiliary Air Force (WAAF), pilotando aviões militares entre bases aéreas, fábricas e unidades de manutenção;

Jacqueline Cochran (1906 – 1980), americana, recebeu o brevet de piloto em 1932, foi a primeira mulher a competir com avião e a quebrar a barreira do som, almejando mais recordes de velocidade, altitude e distância do que qualquer outro piloto. Propôs ao Governo norte-americano um programa alternativo à WAAF com o intuito de envolver as aviadoras no exercício de atividades de “não combatente”. Exerceu o nobre cargo de diretora das “Women Airforce Service Pilots” (WASP);

Maria de Lourdes Sá Teixeira (1907 – 1984), portuguesa, foi a primeira mulher a receber o brevet de piloto em Portugal, em 6 de dezembro de 1928. É a decano dos pilotos aviadores femininos civis em Portugal, tendo sido proposta a atribuição do seu nome ao Lockheed L1011 Tristar “CS-TMX” da companhia aérea “Yes Air Charter”, como justa homenagem a esta aviadora pioneira;

Sabiha Gokcen (1913 – 2001), turca, foi a primeira mulher a receber o brevet de piloto na Turquia, e a primeira em todo o mundo a voar um avião durante serviço de combate, designadamente um bombardeiro, tendo, inclusive, liderado missões de combate na rebelião Dersim, em 1937. O Aeroporto Internacional Sabiha Gokcen tem o seu nome como merecida homenagem;

Valentina Tereshkova (1937), russa, é a primeira cosmonauta da história e a primeira mulher a ir ao espaço, em 16 de junho de 1963, tendo completado 48 órbitas ao redor da Terra, em praticamente três dias;

Svetlana Savitskaya (1948), russa, estabeleceu um recorde feminino de velocidade de 2683 km/h num MIG-21. Em 1980, entrou para o programa espacial soviético, tornando-se assim cosmonauta, tendo sido a primeira mulher a caminhar no espaço. Foi premiada por duas vezes com o título de “Herói da União Soviética”;

Eileen Marie Collins (1956), americana, é astronauta e coronel da Força Aérea dos Estados Unidos, tendo desempenhado quatro missões espaciais entre 1990 e 2005. Foi a primeira mulher piloto comandante de uma aeronave espacial, em julho de 1999, a bordo do Columbia, para colocar em órbita da Terra o Observatório Xandra de Raios-X;

Peggy Annette Whitson (1960), americana, é bioquímica e astronauta e foi a primeira mulher a comandar uma missão na Estação Espacial Internacional, em 2007, constando no seu portfolio o feito de ser a mulher que mais tempo passou fora da Terra, num total de 377 dias no espaço.

 

Para além das proezas de Maria de Lourdes Sá Teixeira, existem três registos nacionais que merecem ser referidos, a saber:

Teresa Carvalho (1965), foi a primeira mulher a ingressar na companhia de Transportes Aéreos Portugueses (TAP) enquanto piloto civil, em 1989, sendo atualmente a piloto comandante mais antiga da empresa;

Paula Costa (1970), foi a primeira mulher a ingressar na FAP enquanto piloto militar, em 1988;

Diana Gomes da Silva (1984), é a segunda mais nova mulher civil do mundo a fazer exibições de acrobacia aérea e a única civil na Península Ibérica.

Para além das personalidades acima mencionadas, este capítulo reserva uma menção especial a duas organizações, que contribuíram determinantemente para a afirmação da “mulher aeronáutica” e para o rumo da Segunda Guerra Mundial: a WAAF e a WASP (Jenkins, 2012). A WAAF, de origem inglesa, chegou a apresentar mais de 180 mil mulheres no seu efetivo. Para além do exercício de funções de pilotagem de aeronaves, as mulheres executavam cargos de apoio, tais como dobradoras de paraquedas, radaristas, operadoras de comunicações, e controladoras aéreas de aviões durante batalhas. A WASP, de origem americana, treinou 1074 aviadoras para voar aviões militares em solo americano entre fábricas e bases aéreas, aviões de carga e aviões-alvo rebocados para prática de alvo, totalizando cerca de 60 milhões de milhas voadas. Importa reter que ambas as instituições permitiram uma afetação funcional por género muito bem determinada, onde os homens aviadores combatiam e as mulheres aviadoras prestavam apoio.

 

Figura 1 – Paula Costa, cerimónia de brevetamento

Fonte: Centro de Audiovisuais da Força Aérea (CAVFA), em 09JAN2013

 

A militar portuguesa – De 1961 a 1988

Em 1956, surgiu a “ideia da formação do Corpo de Enfermeiras Paraquedistas em Portugal, [..., depois da] Senhora D. Isabel Bandeira de Mello (Rilvas)” ter efetuado o primeiro salto de paraquedas – a primeira mulher portuguesa a alcançar este objetivo (Grão, s/d).

Movida pela tentativa de concretizar um dos seus sonhos – “a criação de um Corpo de médicos e enfermeiras paraquedistas” –, esta pioneira do salto de paraquedas em Portugal, procurou ajuda junto do general Kaúlza de Arriaga, à data Subsecretário de Estado da Aeronáutica que, uma vez persuadido para este objetivo, foi responsável pela constituição do quadro de enfermeiras paraquedistas e correspondente legislação (Grão, s/d).

Em Portugal, a incorporação de mulheres nas fileiras foi, então, iniciada pela Força Aérea, através do ingresso de seis enfermeiras paraquedistas. Neste enquadramento, 6 de junho de 1961 corresponde à data em que o corpo de enfermeiras paraquedistas iniciou a sua “instrução técnica e física para o paraquedismo e uma forte preparação militar e conhecimentos de ordem geral” (Rilvas, s/d).

Estas seis mulheres enfermeiras paraquedistas – “as ‘seis Marias’, como lhes chamaram então, receberam em Tancos a ‘Boina Verde’ e o brevet de paraquedismo” (Rilvas, s/d) –, foram as pioneiras de muitas que, nos anos seguintes, prestaram cuidados de saúde e assistência a quem delas precisou, com particular relevo para as missões desempenhadas nos teatros de guerra do Ultramar, e constituem, por isso, um marco para sempre presente na História de Portugal e, em particular, na História das FFAA.

As enfermeiras paraquedistas, pelos seus feitos e atos heroicos, as “suas inúmeras provas de coragem e de determinação no cumprimento do dever, na assistência de feridos em locais de combate e em evacuações aéreas” (FAP, 2011), foram, continuam e continuarão a ser alvo de merecidas homenagens, louvores e honrarias.

Um destes muito merecidos tributos ocorreu a 7 de dezembro de 2011, por ocasião do 50.º Aniversário da Incorporação das Enfermeiras Paraquedistas na Força Aérea, através de uma cerimónia “que reuniu 20 Enfermeiras Paraquedistas, entre as quais as ‘Seis Marias’, à exceção de Maria Zulmira Pereira André e de Maria da Nazaré Morais Rosa, que já faleceram”, na presença do Chefe do Estado-Maior da Força Aérea (CEMFA), General José Pinheiro, e de altas individualidades militares e civis (FAP, 2011).

 

A militar na Força Aérea – De 1988 a 2012

Em 1988, duas mancebos respondem à sua vontade de ser piloto aviador dos quadros permanentes da FAP.

A partir deste momento, a história começava a ser escrita em tons diferentes do habitual e a mulher acabava de dar mais um passo em frente, em direção à igualdade de oportunidades, desta vez, na esfera militar. Conforme escreveu Carreiras (1999): “constituiu um acontecimento singular nos registos do recrutamento militar em Portugal e tanto do ponto de vista simbólico como prático, pleno de consequências”.

Em 1991, constatam-se diversos sinais de transformação ideológica, com a publicação de alguns diplomas que, singularmente ou em conjugação, traçaram um caminho consistente para as mulheres que enveredassem pela carreira das armas.

Com a publicação da Portaria n.º 11/91, de 4 de janeiro, a AFA passou a ministrar, para além do curso de Pilotagem, algumas fases dos cursos de Engenharia (Aeronáutica, Eletrotécnica, Informática e de Aeródromos) e Administração Aeronáutica, e que eram completados em estabelecimentos de ensino superior público universitário.

Em 19 de junho de 1991, entra em vigor a Lei de alteração à Lei do Serviço Militar (Lei n.º 22/91), que rasga com a imagem concebida das Forças Armadas, como se se tratasse de um “processo de modernização em curso”, aprovando medidas que forçam a introdução de uma nova conceção de serviço militar, que prevê o emagrecimento da moldura humana, a redução da idade das obrigações militares e, talvez a medida mais estruturante, a exigência da profissionalização dos militares.

Por seu lado, a Portaria n.º 777/91, de 8 de agosto, vem definir quais as categorias e especialidades a que os cidadãos femininos poderão candidatar-se, em regime de voluntariado, e estabelecer que as regras para o recrutamento, a seleção, o regime de prestação de serviço e o desenvolvimento destas mulheres são reguladas pelas normas estatutárias vigentes para os militares masculinos da FAP, com a salvaguarda dos princípios constitucionais aplicáveis à proteção da igualdade dos cidadãos e da função social da maternidade.

A elevação da condição militar ao estatuto decorrente da sua profissionalização revolucionou o sistema de recrutamento e atração de mancebos, em muito facilitado pela aprovação do Decreto-Lei n.º 336/91, de 10 de setembro, o qual estabelecia os incentivos de natureza socioeconómica aos cidadãos que prestassem serviço efetivo nos regimes de voluntariado e de contrato.

Como resultado das medidas legislativas e do trabalho realizado pelo, então, Centro de Recrutamento e Mobilização, em 11 de novembro de 1991 (Figuras 2 e 3), ingressaram as primeiras quarenta e seis mulheres para o Curso de Formação de Praças e, em 24 de fevereiro de 1992, ingressaram as primeiras onze mulheres para o Curso de Formação de Oficiais e a primeira mulher para o Curso de Formação de Sargentos. Durante os anos de 1992 e 1993, 1557 mulheres apresentaram neste Ramo a sua candidatura para o cumprimento voluntário do serviço militar.

 

Figura 2 – Primeira recruta feminina (OTA, em 5 de dezembro de 1991)

Fonte: CAVFA, em 09JAN2013

 

Figura 3 – Primeira recruta feminina (OTA, em 6 de dezembro de 1991), na presença da enfermeira paraquedista Ivone

Fonte: CAVFA, em 09JAN2013

 

Desde 1991 que a presença feminina passou a ser uma constante em todos os tipos de cursos para os QP e RC, tanto para a categoria de Oficiais, Sargentos e Praças, como para todas as missões e especialidades, desde a área de apoio, até à manutenção e operação (Figuras 4 e 5).

 

Figura 4 – Guarda de honra ao Monumento aos Combatentes do Ultramar

Fonte: CAVFA, em 09JAN2013

 

Figura 5 – Apresentação de cumprimentos de um contingente militar

Fonte: CAVFA, em 09JAN2013

 

Estado da arte atual

Democracia é «oportunizar» a todos, o mesmo ponto de partida. Quanto ao ponto de chegada, depende de cada um.

Fernando Sabino

 

Sociografia

Neste ponto apresenta-se a “fotografia social” que atualmente se pode obturar à realidade feminina na FAP, segundo os dados apurados em 16 de novembro de 2012, do Sistema de Informação de Gestão da Área de Pessoal (SIGAP) da FAP. Deste modo, as mulheres militares distribuem-se em 1021 prontas para o serviço (439 dos QP e 582 do RC) e 99 em formação (84 dos QP e 15 do RC), totalizando 1120, num universo de 6638 militares, conforme se apresenta:

 

Gráfico 1 – Distribuição de Militares na FAP, por género

Fonte: SIGAP, em 16NOV2012

 

As mulheres representam cerca de 16,9% dos efetivos. Esta percentagem é importante, considerando que vai servir de referência se compararmos diferentes tendências entre géneros. Ainda no âmbito da distribuição de efetivos por percentagem, as mulheres significam 17,1% dos oficiais, 10,3% dos sargentos e 24,7% das praças.

Nesta abordagem, e quando se justifique, serão identificados dois universos de militares, designadamente, as mulheres dos QP e as mulheres do RC considerando que as suas diferenças, resultantes de percursos de carreira díspares, podem influenciar os dados quantitativos globais. A fim de se considerar o valor decorrente do percurso de carreira das mulheres militares, doravante, os elementos femininos em preparação para os QP oriundos de mancebo não serão contabilizados, pelo que se estuda apenas o total de 1092 mulheres, na demonstração de resultados.

No que respeita ao número de mulheres no efetivo global, verifica-se a seguinte distribuição, desde 2000 até 2012 (Gráfico 2).

 

Gráfico 2 – Quantitativos de Militares na FAP, por género (2000 – 2012)

Fonte: SIGAP, em 16NOV2012

 

Constata-se um aumento constante do número de mulheres, desde 2000 até 2007, contrariando a tendência masculina que, de 2002 até 2007, sofreu uma diminuição significativa no efetivo global. Destaca-se o ano de 2007 em que se atingiu o valor mais alto de sempre de mulheres na FAP (1280). Relativamente à proporção entre homens/mulheres, ao longo dos anos, o gráfico seguinte apresenta a percentagem de mulheres, entre 2000 e 2012 (Gáfico 3).

 

Gráfico 3 – Percentagem de Mulheres Militares na FAP (2000 – 2012)

Fonte: SIGAP, em 16NOV2012

 

Verifica-se que, em doze anos, a proporção de mulheres passou de 11,4% para 17,1% (11,4% nos QP e 25,8% no RC), representando uma subida de 5,7%, ou seja, de 371 militares.

A faixa etária encontra-se, em média, nos 28,9 anos, sendo que, nas militares do RC, baixa para os 25,7 anos e nas mulheres dos QP sobe para os 33,9 anos, o que indica que a população considerada, em média, é bastante jovem, com valores abaixo dos trinta anos.

O estado civil mais comum na população feminina é o Solteiro, com 771 militares (das quais 56 em união de facto), seguindo-se o Casado, com 262 militares e por fim o Divorciado com 59 militares. Constata-se que, das 318 militares que estão casadas ou vivem em união de facto, 129 têm um cônjuge militar (da FAP, na efetividade de serviço), representando uma percentagem muito significativa, na ordem dos 40,6%. Existem 246 mães-militares com uma média de 1,6 filhos.

Quanto ao grupo de habilitações, afere-se que 707 militares completaram o Ensino secundário, 336 detêm curso superior e 47 detém mestrado/doutoramento.

 

Carreira

A carreira militar é caraterizada pela combinação entre um conjunto de princípios institucionais decorrentes do enquadramento legal e do desempenho pessoal do militar, comumente designado por mérito militar.

No que diz respeito aos postos militares, a distribuição das mulheres pelas três categorias poderá evidenciar alguma disparidade. Na categoria de oficiais existem 313 militares, representando 28,7% do total das mulheres, na categoria de sargentos existem 261 militares, representando 23,9% e por fim, na categoria de praças existem 518 militares, representando a maior percentagem do universo em causa com 47,4%.

Deste modo, importa analisar a respetiva distribuição por posto, no momento presente:

 

Gráfico 4 – Postos das Mulheres Militares na FAP

Fonte: SIGAP, em 16NOV2012

 

Atualmente, as três mulheres mais antigas da FAP são Tenentes-Coronéis, das especialidades de Jurista, Medicina e Administração Aeronáutica, por esta ordem de antiguidade.

Na categoria de oficiais, podem encontrar-se dois tipos de carreira distinta. A correspondente aos Quadros de Licenciados, que representa 51,7% do universo de militares de ambos os sexos, e que conta com 92 mulheres. Os Quadros Técnicos representam os restantes 48,3%, que correspondem a 86 mulheres.

As especialidades da FAP podem ser agrupadas em três áreas: Operações, Manutenção e Apoio. As mulheres distribuem-se do seguinte modo, pelos três “agrupamentos de especialidade”: 68,5% (748) na área de apoio; 18,9% (206) na área de operações; e 12,6% (138) na área de manutenção. Quando se estabelece uma comparação com a realidade masculina, vislumbra-se que a distribuição por área funcional não é igual entre géneros, visto que 42% pertencem à área de manutenção, 35% à área de apoio e 22% à área de operações.

Ainda dentro desta temática, as mulheres ocupam o seguinte “espaço”, por área funcional, quando comparadas com os homens: 28,4% na área de apoio; 15,1% na área de operações; e 5,9% na área de manutenção.

 

Gráfico 5 – Proporção entre Militares da FAP, por género e área funcional

Fonte: SIGAP, em 16NOV2012

 

No que respeita à distribuição das militares prontas para o serviço, estas podem agrupar-se nos seguintes órgãos: Comando Aéreo (CA); Comando da Instrução e Formação (CIFFA); Comando de Pessoal (CPESFA); Estado-Maior (EMFA/CEMFA); Comando da Logística (CLAFA); Hospital das Forças Armadas (HFAR); e Fora do Ramo (Ext FAP). Verifica-se a seguinte distribuição:

 

Gráfico 6 – Distribuição das Mulheres Militares na orgânica da FAP

Fonte: SIGAP, em 16NOV2012

 

Pelo exposto, constata-se que as mulheres desempenham na maioria funções no CA, com 479 elementos, representando 14,2%. No CPESFA, que concentra, na sua maioria, unidades de natureza mais administrativa e de apoio, verifica-se que se trata da colocação onde existe maior percentagem de mulheres face aos homens, com cerca de 31,1%. No que respeita
à nova estrutura do HFAR, esta concentra um número considerável de elementos femininos face aos homens, designadamente 45,6%, com 57 mulheres.

No que respeita às missões internacionais, e no âmbito dos compromissos assumidos pela FAP, a Tabela 1 demonstra que as mulheres estiveram presentes nas seguintes operações: Atalanta; Chade; International Security Assistance Force (ISAF); Islândia; e Ocean Shield (OSHIELD).

Missão

Homens

Mulheres

Total

% Mulheres

AMISOM

1

0

1

0,0

ATALANTA

83

5

88

5,7

CHADE

49

2

51

3,9

ISAF

568

21

589

3,6

ISLÂNDIA

131

11

142

7,7

LITUÂNIA

11

0

11

0,0

ONU-PAZ

1

0

1

0,0

OSHIELD

70

3

73

4,1

OTAN-PAZ

1

0

1

0,0

TOTAL

915

42

957

4,4

Tabela 1 – Presença de mulheres em missões internacionais

Fonte: SIGAP, em 16NOV2012

 

As mulheres marcaram presença em 55,6% das missões, sendo aquela onde estiveram mais militares envolvidas a da ISAF, com 21 elementos e a que teve maior percentagem de mulheres foi a da Islândia, com 7,7%. Pode verificar-se que dos 957 militares envolvidos em missões internacionais, apenas 42 são femininas o que perfaz uma média de 4,4%.

Considerando que a média de Tempo de Serviço Efetivo dos militares masculinos dos QP é de 22 anos, as mulheres apresentam uma média bastante inferior, com apenas 13,8 anos de média, totalmente justificada pelo “atraso” na admissão.

A apresentação de candidaturas para o quadro de oficiais dos QP, via AFA, tem registado o seguinte afluxo (Gráfico 7):

 

Gráfico 7 – Número de candidaturas aos QP via AFA

Fonte: Sistema de Informação setorial do Centro de Recrutamento da Força Aérea, em 16NOV2012

Legenda: (*) dados de 01JAN2012 até 16NOV2012

 

Gráfico 8 – Número de candidaturas ao RC

Fonte: Sistema de Informação setorial do Centro de Recrutamento da Força Aérea, em 16NOV2012

Legenda: (*) dados de 01JAN2012 até 16NOV2012

 

No caso das candidaturas aos QP via AFA, verificou-se um “boom”, em 2009, com cerca de 246 mancebos. Em termos percentuais, por género, verifica-se que, nos últimos dez anos, a média feminina de candidaturas se cifra nos 21%, embora em 2012 se tenha verificado 22,9% (segundo maior registo dos últimos dez anos), não por existirem mais mulheres a candidatarem-se, mas porque o número de candidaturas masculinas baixou consideravelmente. A apresentação de candidaturas para o RC registou o seguinte afluxo:

Relativamente às candidaturas ao RC, o número mais elevado registou-se em 2010, com 1499 mancebos. A proporção entre sexos, no período considerado, cifra-se em média nos 35,9%, verificando-se uma quebra de cerca de 10% entre 2002 e 2012 (de 38,7% para 28,6%, respetivamente).

No que respeita à Taxa de Ingressos nos QP por parte dos militares do RC, as mulheres representam em média 21,1%, desde 2002 até 2012. Em 2003, a proporção entre homens e mulheres foi a mais baixa dos últimos dez anos, com apenas 14,4% e em 2006 foi a mais alta, com 25%, representando 42 mulheres.

As cessações de contrato, por pedido voluntário de rescisão, atingiram o valor máximo em 2007, com 41 saídas. Nos últimos seis anos, a proporção de mulheres que rescindem contrato com a FAP é de 19,9% face aos militares masculinos, sendo que em 2012 registaram-se apenas 10 saídas e uma relação de 12,7% face aos homens (Tabela 2).

 

Ano

Homens

Mulheres

Total

% Mulheres

2006

38

13

51

25,5

2007

148

41

189

21,7

2008

119

23

142

16,2

2009

67

24

91

26,4

2010

49

6

55

10,9

2011

41

15

56

26,8

2012

69

10

79

12,7

TOTAL

531

132

663

19,9

Tabela 2 – Cessações de contrato, por pedido voluntário de rescisão

Fonte: Sistema de Informação Setorial da Direção de Pessoal da Força Aérea, em 16NOV2012

 

Das 1092 mulheres militares na efetividade de serviço, a 16 de novembro de 2012, 606 mulheres foram louvadas, 413 foram condecoradas e 16 foram punidas.

Na especialidade de piloto aviador, as mulheres representam 1,1% do universo de 273 pilotos na efetividade. Existem 3 mulheres na efetividade de serviço e 2 em preparação para os QP oriundas de mancebo. As mulheres piloto na efetividade de serviço, são as seguintes: Tenente-Coronel Diná Azevedo; Capitão Bruna Oliveira; e Tenente Joana Marques, a operar, respetivamente, as aeronaves: EADS C-295M (Esquadra 502 – “Elefantes”); Lockheed P-3C CUP+ORION (Esquadra 601 – “Lobos”) e Chipmunk MK 20 (Esquadra 802 – “Águias”). Quanto ao desempenho funcional, a Tenente-Coronel Azevedo está colocada na Base Aérea n.º 6 e executa a função de comandante do Grupo Operacional, cumulativamente com a de piloto comandante e piloto instrutor. A Capitão Oliveira está colocada na Base Aérea n.º 11 e executa a função de Chefe da Secção de Táticas e Procedimentos Operacionais, em acumulação com as funções de copiloto. A Tenente Marques está colocada na Academia da Força Aérea e executa as funções de Comandante de Esquadrilha de Alunos, Instrutora de Voo no Centro de Atividades Aéreas e Oficial de Segurança de Voo.

Embora o número de aviadoras seja pouco representativo, poderá constatar-se que a média de idades se situa nos 31,7 anos, e em média já cumpriram catorze anos de tempo de serviço efetivo.

No que respeita às horas de voo, a Tenente-Coronel Azevedo tem averbadas cerca de 4100 horas, a Capitão Oliveira cerca de 800 horas e a Tenente Marques cerca de 450 horas.

 

Algumas especificidades – fardamento, apresentação e atavio, e maternidade

A presença das enfermeiras paraquedistas na Força Aérea desde o início dos anos sessenta[1], levou a que, desde muito cedo, fosse contemplada a confeção de fardamento para pessoal feminino. Assim, o primeiro Regulamento de Uniformes da Força Aérea (RUFA), criado apenas catorze anos (em 1966) após a sua constituição como Ramo independente, contemplava já uma secção totalmente dedicada ao fardamento de pessoal feminino equiparado a militar. Neste regulamento eram especificados, com pormenor, todos os artigos que constituíam os uniformes de serviço interno, de serviço de campanha, normal, grande uniforme, uniforme de cerimónia e de gala para pessoal feminino.

A entrada das primeiras recrutas de praças, sargentos e oficiais em regime de contrato, nos anos de 1991 e 1992, tornou manifesta a necessidade de adaptar alguns dos artigos de fardamento existentes, bem como de disponibilizar outros que, até então, não eram solicitados, como, por exemplo, números de calçado e tamanhos de camisas baixos. Neste sentido, já em janeiro de 1993, foram efetuadas alterações às dotações de fardamento a atribuir por conta do Estado, contemplando o pessoal feminino.

Novas situações foram, entretanto, alvo de estudo, carecendo de resolução rápida, como o fornecimento de fardamento a pessoal feminino em estado de gravidez. Esta situação não era contemplada pelo RUFA, na altura em vigor, e as primeiras situações, próprias da condição da mulher, começaram a surgir.

A Força Aérea efetuou, ao longo dos últimos vinte e dois anos, um esforço de adaptação, de forma a adequar o fardamento feminino em termos de estética e de adequabilidade à sua utilização. À semelhança do que já havia sido efetuado no Exército e na Marinha, procedeu-se à remodelação e atualização do design de alguns artigos de fardamento, recorrendo ao gabinete de estilistas Abbondanza/Matos Ribeiro. Entre outros, sobressaem os atuais modelos de camisas, o uniforme de grávida e a carteira.

As regras de apresentação/atavio do pessoal feminino sempre estiveram presentes e implícitas à condição de militar. Em 2009, através do despacho do General CEMFA n.º 21/2009, de 7 de abril, foram emanadas diretivas específicas no que concerne ao corte e apresentação do cabelo, bem como ao uso de adornos, maquilhagem e apresentação das unhas. O cumprimento destas diretivas, contribuindo “para o fortalecimento da disciplina e da imagem da Instituição Militar perante a opinião pública”, concede às militares da Força Aérea a liberdade para se apresentarem com uma imagem distinta e feminina: é-lhes permitido o uso de maquilhagem discreta, bem como pintar as unhas, também em tom discreto.

Relativamente à temática da maternidade, do ponto de vista médico, não foram ainda exaustivamente estudadas e identificadas as repercussões do exercício de certo tipo de atividades de cariz militar, nomeadamente a atividade aérea, por mulheres grávidas no exercício das suas funções.

O despacho do General CEMFA n.º 31/00/A, de 13 de julho, estabeleceu a criação de um conjunto de medidas de proteção à militar grávida, “de forma a que a maternidade seja protegida e a missão da Força Aérea cumprida”. Foi, assim, criado um conjunto de ações a tomar, no que respeita ao despiste da gravidez, bem como identificadas as tarefas vedadas e as desaconselháveis às militares grávidas.

No que concerne ao regime de proteção à maternidade, aplicam-se às militares as mesmas normas atinentes ao exercício da parentalidade, consignadas genericamente no Código do Trabalho, Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, e definidas e regulamentadas nos Decretos-Lei n.º 89/2009 e n.º 91/2009, ambos de 9 de abril.

 

Experiências na primeira pessoa

Não há porque tentar tornar igual,

o que é essencialmente diferente.

Somos todos iguais, na diferença.

Regina Ramos

 

Histórias de pioneiras dos QP (na Pilotagem Aeronáutica e na Medicina Aeronáutica) e de algumas herdeiras aviadoras

“O que é voar?” – uma pergunta simples, mas suficiente para que esta militar, oficial da Força Aérea Portuguesa, habitualmente contida e parca em palavras, expresse de forma expansiva: “Voar, para mim, é um misto de liberdade e adrenalina... é desafiar a vida”, responde Joana Marques, Tenente Piloto Aviador. No sorriso franco, que acompanha a sua confissão, é bem patente o enorme orgulho e a paixão pela carreira que escolheu.

Hoje, representa no feminino a mais recente geração de pilotos aviadores. De momento, existem apenas três mulheres no ativo com esta especialidade, a que se poderão juntar, nos próximos anos, mais duas, especificamente, as duas cadetes que, à presente data, estão a frequentar o 3.º ano do Curso de Mestrado em Aeronáutica Militar, especialidade de Piloto Aviador.

O sonho de criança começou a ganhar forma no final do ensino secundário, quando as academias militares foram postas em cima da mesa, como a opção para prosseguir os estudos. No entanto, foi no estágio de voo que esta eborense firmou, em definitivo, a decisão de servir a Força Aérea aos comandos de uma aeronave, tendo, até presente data, operado em quatro aviões: Chipmunk, T-27 Tucano (aquando do seu tirocínio, realizado no Brasil), Alpha-Jet e C-130.

A primeira experiência de voo foi também marcante para a Tenente-Coronel Piloto Aviador Diná Azevedo (Figura 6) que, apesar dos vinte e dois anos volvidos, a recorda com emoção e como “determinante para a decisão na escolha desta carreira.” O seu diversificado e assaz operacional currículo é prova bastante da sua dedicação à profissão e vocação que abraçou: qualificou-se em diversas aeronaves, foi piloto instrutor de Chipmunk, foi a primeira mulher europeia a pilotar e comandar o Boeing E-3A (AWAC) ao serviço da OTAN, onde se qualificou, também, como piloto instrutor e piloto avaliador, e, novamente em Portugal, a primeira mulher a comandar uma Esquadra de voo – a Esquadra 502, “Elefantes” – a operar a aeronave C-295M (qualificada como piloto operacional, piloto instrutor e piloto de experiências) e, mais tarde, um Grupo Operacional (o GO-61), função que ocupa atualmente na Base Aérea n.º 6, no Montijo.

 

Figura 6 – Tenente-Coronel

Piloto Aviador Diná Azevedo

Fonte: Site E. T, em 09JAN2013

 

Afirma que ser mulher não foi um fator determinante na sua carreira: “Acredito que são as minhas caraterísticas, capacidades e competências que têm determinado o meu caminho.” Apesar de todas as funções pelas quais passou, nunca sentiu que o género fosse um obstáculo ao exercício da sua autoridade – “nunca me deparei com qualquer resistência masculina ao meu exercício de comando por ser mulher. Analisando as minhas vivências nestas funções, estou convicta que na Instituição Militar, onde as pessoas aprendem desde cedo o que é a liderança e os seus princípios, está perfeitamente claro que o que importa é a forma como se comanda, e não quem comanda.”

Presentemente, as instituições militares estão melhor preparadas para receber militares femininos, mas nem sempre assim foi. Diná Azevedo recorda o tempo em que “existiam ainda ajustes a fazer a nível de alojamentos e fardamento”, e conta que “as primeiras camisas e sapatos foram feitos por medida”. Ainda sobre os seus primeiros tempos na Academia da Força Aérea afirma que sempre se sentiu “aceite como uma igual, acarinhada e respeitada, por parte dos seus camaradas”, mas sublinha que foi também sempre sua preocupação “ser parte ativa e determinante nesse processo de integração, facilitando-o.” Conclui esta operacional que “pelo facto de ter sido a segunda mulher na AFA, e não a primeira, a integração foi mais facilitada neste meio tradicionalmente masculino, pois muitas portas já tinham sido abertas e algum caminho percorrido.”

A pioneira foi, com efeito, Paula Costa, ex-Major Piloto Aviador da Força Aérea Portuguesa. Desse tempo recorda os obstáculos e grandes dificuldades que alguns instrutores e mesmo camaradas tiveram em lidar com as duas primeiras cadetes femininas na Academia da Força Aérea. “Mas também lembro, com admiração, aqueles que souberam olhar para nós como mais um elemento pertencente ao conjunto de alunos que tinham de formar,” diz Paula Costa, para quem estes últimos “souberam estar à frente do seu tempo.”

Após a sua formação inicial em T37 e T38 nos Estados Unidos, Paula Costa foi a primeira instrutora de voo em Epsilon. Transitou, posteriormente, para a Esquadra 301 – “Jaguares”, então a operar em Alpha-Jet, tendo sido a primeira mulher piloto operacional de aviões de caça na FAP. Recorda com saudade os vários exercícios da OTAN em que participou. Depois de “uma decisão muito difícil” e após dezoito anos de carreira, optou por abandonar a vida militar e dedicar-se à aviação civil, onde tem a possibilidade de continuar a fazer aquilo que sempre gostou – voar. Reforça que para si “voar é ser e estar feliz”.

Dos dezoito anos dedicados a servir a pátria ficaram vários sentimentos, entre os quais os de entrega e dedicação. Segundo afirma, “Ser a primeira, é sempre diferente de entrar numa situação já estabilizada, o que, no meu caso, passou por ter que dar provas, fazer conquistas e persistir a despeito dos desafios e contratempos”. Dá como exemplo a sua primeira colocação numa esquadra de voo, onde “tiveram que fazer obras para criar uma casa de banho para o pessoal feminino.” Há que perceber que, à data, e apesar de estar em pleno século XX, as Forças Armadas mantinham-se como um dos últimos, senão mesmo o último, reduto exclusivamente masculino. As adaptações, quer logísticas, quer de mentalidade, foram acontecendo aos poucos. “Os primeiros, como eu fui, têm que desbravar o caminho, confrontar diferentes situações de revés, lidar com todos os tipos de mentalidades... tudo dá muito mais trabalho e é um nunca parar de lutar. Mas tudo o que custa alcançar também nos realiza mais”, salienta com orgulho. “É com grande satisfação que vejo que, com o passar do tempo, tudo se vai tornando normal.

Duas décadas depois, Maria Franco, Cadete-aluna do terceiro ano da especialidade de Piloto Aviador na Academia da Força Aérea, testemunha que, apesar de mais comum, a sua escolha ainda suscitou surpresa entre amigos e familiares: “A minha avó dizia que eu era a neta mais feminina e que optei pelo caminho menos feminino, porque a vida militar é sempre mais associada aos homens”. Apesar de sempre se ter sentido bem-vinda e integrada, confessa que sente alguma pressão pelo facto de ser mulher: “Sempre achei que era capaz. No entanto, por ser uma profissão ainda mais masculinizada, tinha receio que algumas pessoas pudessem estar à espera das minhas falhas para me poderem acusar.” Ainda assim, afirma, no seu jeito bem-humorado, que a pressão não pende apenas para o lado dos elementos femininos. “Os rapazes também se sentem um pouco desafiados...porque se nós conseguimos, eles também têm de conseguir”, ri, brincando com a situação.

Regina Ramos, Tenente-Coronel Médica Aeronáutica da Força Aérea, pôde testemunhar, na primeira pessoa, as transformações ocorridas na Instituição Militar, com a entrada dos primeiros elementos femininos. Foi, também ela, uma das primeiras mulheres a frequentar a Academia da Força Aérea, neste caso o Estágio Técnico-Militar, de setembro a dezembro de 1993, após concluir o seu curso de medicina, pela Universidade de Coimbra. Inicialmente, a escolha prendeu-se com a possibilidade de seguir a sua especialidade de eleição – cirurgia geral –, área da medicina em que foi também pioneira. Mas, hoje, confessa-se “uma militar convicta e muito contente por ter ingressado nas Forças Armadas”. Se provas desta dedicação fossem necessárias, bastaria apresentar o seu vasto currículo, onde constam variadas missões internacionais, em cenários tão diversos como São Tomé e Príncipe, Noruega, Lituânia, Balcãs e, mais recentemente, Afeganistão, sempre como voluntária.

Se Regina Ramos optou por não ter filhos, Diná Azevedo sempre fez um esforço para “conciliar os dois mundos” – a sua intensa carreira e a vida familiar. “Com o apoio incondicional da minha família, principalmente da minha mãe, para criar a minha filha, estou certa que a minha vida familiar, apesar de influenciada pela minha carreira, tem sido equilibrada, serena e feliz”, assegura. No entanto, foi algo só possível graças “a uma organização familiar complexa e flexível”, em que é “essencial ter planos alternativos para adaptar estes dois mundos, um em função do outro, sem prejudicar nenhum deles”.

Segundo Regina Ramos, não há porque tentar tornar igual o que é essencialmente diferente. “As mulheres têm alguma tendência para trabalhar em rede, ao contrário dos homens, que trabalham mais em hierarquia, e penso que isto, a nível das instituições, facilita imenso a atividade laboral. Trabalhamos de maneira diferente, felizmente. Somos todos iguais na diferença”, reforça. É a mesma ideia salientada por Paula Costa: “Os dois géneros têm caraterísticas diferentes, muito válidas, e que, em sinergia, são muito superiores às de cada um, individualmente.”

Talvez por isso, as mulheres tenham aos poucos conquistado o seu lugar nas Forças Armadas, lado a lado com os seus pares masculinos. Joana Marques confirma que nunca se sentiu “beneficiada ou prejudicada”, tanto no seu percurso académico, como no profissional – “Tem sido relativamente neutro, e para mim é melhor assim.” Mesmo agora, que ocupa uma função de instrução numa equipa de trabalho, em que é o único elemento feminino, não sente que seja de alguma forma “menos respeitada”, quer pelos alunos, quer pelos restantes instrutores, demais camaradas e superiores hierárquicos.

Apesar disso recorda, com um sorriso condescendente, que ainda há alguns passos a dar: “Sempre que apareço num sítio onde nunca tiveram mulheres piloto, estranham, pois é uma situação nova... Mas, quando estou no exercício das minhas funções, não há qualquer diferença, nem existe qualquer problema.”

 

As primeiras contratadas

«...se um dia as mulheres forem admitidas para as Forças Armadas...», o sonho que desde pequena Vitalina Martins nutria, em alternativa à sua outra paixão... ser polícia. O sonho tornou-se, no entanto, realidade, e Vitalina Martins, hoje Alferes dos QP da FAP, da especialidade de Técnicos de Manutenção de Material Aéreo (TMMA), foi uma das 55 mulheres que, em novembro de 1991, ingressaram no Centro de Formação Militar e Técnica da Força Aérea (CFMTFA), para incorporar a primeira recruta de militares do sexo feminino da FAP, destinadas ao curso de praças em RC.

Dos tempos de soldado-recruta, recorda o elevado profissionalismo dos instrutores que as receberam, que contribuiu para uma integração adequada no ambiente militar. As primeiras diferenças de tratamento – associadas à sua condição feminina – só foram por si sentidas aquando da sua primeira colocação, na secção de motores da esquadra de manutenção da Base Aérea
n.º 5. Diferenças associadas, fundamentalmente, a uma atitude de um certo paternalismo e tratamento diferenciado, pela positiva, que provocavam algum sentimento de revolta por parte dos seus pares. A esta colocação, seguiu-se uma outra, em que exerceu funções de índole mais administrativa, que, face à sua motivação e formação de base, como Mecânica de Material Aéreo (MMA), foi por si sentida como menos estimulante. Excetuando esta “fase de secretaria”, é visível o sentimento de elevado agrado e realização que retira dos seus vinte e um anos de carreira. Uma carreira pautada por um percurso bastante enriquecedor, que conta, entre outros desafios, com a sua colocação na área de manutenção das Base Aérea n.º 11 e Base Aérea n.º 5, e integração no programa de operação de um novo sistema de armas na FAP, o helicóptero EH101-Merlin, em que lhe foi dada a oportunidade de realizar formação em Inglaterra e, depois de devidamente acreditada, de tomar parte na missão de receção de duas aeronaves na própria fábrica, em Itália, ou, ainda, de participação em diversos destacamentos. No seu percurso como militar MMA, foi nomeada para a componente de voo – qualificação que a tornaria na primeira mulher operador de sistemas daquela aeronave. No entanto, a data desta nomeação concorreu com a sua candidatura à AFA, com vista a ingressar na carreira de oficial (à data encontrava-se na categoria de sargentos), tendo, então, optado por este último cenário – que considerou mais apelativo, quer pela segurança, quer pelas diferentes perspetivas de progressão e desempenho profissional. Mais pela sua maneira de ser, do que, unicamente, pela sua condição de mulher, sempre procurou dar o melhor de si mesma, para provar que era capaz... como praça foi assim, como sargento também e, agora, como oficial, de regresso à sua primeira unidade (novamente colocada na BA5, desde o início de 2012), onde se sente completamente integrada. Olhando para trás, identifica várias mudanças em si, como sejam uma maior facilidade em interagir com os camaradas e em se adaptar às situações.

A Major Técnica de Operações de Meteorologia (TOMET) Lídia Santana ingressou na Força Aérea em fevereiro de 1992, fazendo parte da primeira incorporação de oficiais (e segunda incorporação de mulheres na FAP, depois da admissão de praças já acima referida, em novembro de 1991). Com efeito, confrontada com o terminus do ensino secundário, e conhecimento de que a Força Aérea iria abrir as portas ao universo feminino, foi, então, sua decisão ingressar na vida militar. Decisão que suscitou espanto no seio da vida familiar, acompanhado, todavia, por uma atitude de total apoio, até porque Lídia é oriunda de uma família de militares. Tal como Vitalina, destaca o profissionalismo dos instrutores que as receberam. Dos seus pares, recorda todo o tipo de reações: de igual para igual, de paternalismo, ou, num ou noutro caso, de um grau de exigência superior à habitual, como que a tentar provar que eram mais merecedores(as) do lugar que ocupavam.

Associada às várias formações que fez, na maioria das quais como o único elemento feminino então presente, recorda a solidão que por vezes sentia – “há uma altura em que falta uma mulher para conversar…”. Atualmente, a realidade carateriza-se, por vezes, pelo oposto – colocada no Centro de Informação Meteorológica da Força Aérea, onde exerce funções, refere alguns serviços de turno que são assegurados por uma equipa exclusivamente feminina.

Do seu percurso militar refere, também, as diligências que efetuou no CFMTFA, como instrutora de novos recrutas. A relação que se estabelece entre instrutor e instruendo é independente do género, até mesmo porque os alunos-recruta, chegados do mundo civil, assumem este facto como uma situação perfeitamente normal, não questionando se o instrutor é homem ou mulher. Casada (com um militar) e com dois filhos, Lídia tem conseguido sempre conciliar a carreira militar com a vida familiar – “nunca deixei de fazer nada profissionalmente em prol da família”. As decisões que tomou, em termos de participação em missões, não tiveram por base este fator. Esteve colocada quatro anos na Base Aérea n.º 4, nas Lajes, Açores, em conjunto com o seu pilar de suporte, a sua família. Um pilar a que recorre sempre que tem necessitado, nomeadamente aos avós. Olhando para os seus vinte anos de vida militar, Lídia sente que “valeu a pena. Esta foi sempre a minha primeira opção.”

A Primeiro-sargento Mecânica de Eletrónica (MELECA) Célia Machado foi também incorporada em fevereiro de 1992, na segunda recruta de praças femininas. Terminada a recruta, prosseguiu a sua formação na Escola Militar de Eletromecânica do Exército (EMEL), em Paço de Arcos. Num mundo essencialmente masculino, recorda, numa fase inicial, um tratamento diferenciado por parte dos camaradas mais antigos, aquilo que considera “discriminação positiva sem ser pedida”. Reações normais num período de adaptação a uma nova realidade, que rapidamente se dispersaram.

Célia Machado refere nunca ter sentido quaisquer problemas de integração pela sua condição de mulher, descrevendo, inclusive, como “perfeitamente normal” o ambiente de trabalho e de camaradagem com os seus pares. As únicas dificuldades que recorda foram apenas as inerentes à necessidade de compatibilizar as duas áreas de formação completamente distintas – a nova, em MELECA, com a anterior, em Belas-Artes, em tudo diferente da carreira que então abraçava.

À semelhança de Lídia e Vitalina, Célia é perentória em afirmar o profissionalismo dos instrutores ao longo do percurso.

Ao longo dos anos, esta Primeiro-sargento, também casada com um militar, sempre tentou conciliar a sua vida familiar e a sua carreira, mesmo quando deslocada geograficamente.

 

Súmula

O laço essencial que nos une, é que todos habitamos este pequeno planeta. Todos respiramos o mesmo ar. Todos nos preocupamos com o futuro dos nossos filhos. E todos somos mortais.

John F. Kennedy

 

A mulher militar aeronáutica exorta à mulher de espírito aventureiro, corajoso, determinado e intrépido. Estas caraterísticas foram associadas, ao longo da história da humanidade, exclusivamente ao indivíduo do sexo masculino. Não será de todo impróprio afirmar que esta permeabilidade de “papéis sociais” tenha causado muita turbulência na afirmação feminina, sustentada em expressões de desigualdade de género vincadas no percurso que medeia as atividades iniciais de apoio aos exércitos até à integração total nas FFAA.

Em termos nacionais, a vontade política em profissionalizar as forças armadas e a inserção determinada das mulheres no mercado de trabalho, pressionou, em certa medida, as entidades com responsabilidade legislativa, em contemplar esta autêntica “revolução das rosas” no seu programa. Os resultados ainda não refletem a paridade idealizada pela tutela, fruto de um percurso de carreira recente quando comparado com o masculino, mas a tendência comprovada estatisticamente, demonstra que a orientação seguida produzirá os seus efeitos a médio-longo prazo. Com efeito, há cinquenta e cinco anos atrás, a probabilidade de, um dia, existirem militares femininas nas forças armadas era certamente nula. Até 1988, a probabilidade de um Ramo das FFAA portuguesas, admitir uma mulher nas suas fileiras, era, igualmente, nula. Coube à Força Aérea Portuguesa dar este primeiro passo, primeiramente com a admissão de candidatas para a Academia da Força Aérea, e, três anos mais tarde, para os cursos de regime de contrato, inicialmente de praça, e no ano seguinte de oficial e de sargento, como ilustrado pelos relatos na primeira pessoa das oito militares acima entrevistadas.

Como o caminho se faz caminhando, a afirmação das mulheres tem-se vindo a realizar por segmentos, por “baby steps”, quer em termos de mudança de mentalidades, quer, também, de infraestruturas e fardamento, como, por exemplo, ilustrado pela pioneira Paula Costa, ex-Major/PILAV – aquando da sua primeira colocação numa esquadra de voo, onde “tiveram que fazer obras para criar uma casa de banho para o pessoal feminino” –, e pela sua sucessora, Diná Azevedo, Tenente-Coronel/PILAV, “...existiam ainda ajustes a fazer a nível de alojamentos e fardamento”.

Neste registo, o passo da emancipação foi dado, e o da plena aceitação e integração está praticamente concretizado – realidade sublinhada pela globalidade das entrevistadas, quer ao nível do RC, onde por todas é realçado o profissionalismo dos instrutores ao longo do percurso, quer dos QP: “nunca me deparei com qualquer resistência masculina ao meu exercício de comando por ser mulher. Analisando as minhas vivências nestas funções, estou convicta que na Instituição Militar, onde as pessoas aprendem desde cedo o que é a liderança e os seus princípios, está perfeitamente claro que o que importa é a forma como se comanda, e não quem comanda.” – Tenente-Coronel/PILAV Diná Azevedo; “Sempre que apareço num sítio onde nunca tiveram mulheres piloto, estranham, pois é uma situação nova... Mas, quando estou no exercício das minhas funções, não há qualquer diferença, nem existe qualquer problema.” – Tenente/PILAV Joana Marques.

A garantia de que a igualdade de género no seio militar não passa de uma ideia vã é concretizada com a evolução da mulher aeronáutica no desempenho de atividades estritamente militares, com presença em teatros de guerra operacionais, no exercício de funções de combate, na adaptação das instalações e no desenho do fardamento, no desempenho de cargos de chefia e especialmente, na sã camaradagem cultivada entre os sexos.

Pode, então, afirmar-se que a herança espiritual das pioneiras da aviação tem inspirado ao longo dos tempos a mulher aeronáutica a reclamar um espaço que já conquistou, ora por imposição da modernização social ora por derrubar barreiras culturais legadas pelos antepassados.

 

Figura 7 – Tenente-coronel Médica Regina Ramos num exercício militar, à data como capitão

Fonte: SIGAP, em 09JAN12

 

Em suma, e conforme já referido por José Alves (1999), importa, agora, consolidar o processo de defesa da igualdade de tratamento e oportunidades entre as pessoas de ambos os sexos, mesmo porque, como disse um dia a Tenente-Coronel/MED Regina Ramos: “Não há porque tentar tornar igual, o que é essencialmente diferente. Somos todos iguais na diferença”.

 

Bibliografia

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Lei n.º 22/91, de 19 de junho: Aprova a Lei de alteração à Lei do Serviço Militar.

Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro: Aprova a revisão do Código do Trabalho Lisboa.

Decreto-Lei n.º 89/2009, de 9 de abril: Regulamenta a proteção na parentalidade, no âmbito da eventualidade maternidade, paternidade e adoção, no regime de proteção social convergente.

Decreto-Lei n.º 91/2009, de 9 de abril: Define e regulamenta a proteção na parentalidade no âmbito da eventualidade maternidade, paternidade e adoção do sistema previdencial e do subsistema de solidariedade.

Decreto-Lei n.º 336/91, de 10 de setembro: Estabelece os incentivos à prestação do serviço voluntário e em regime de contrato nas Forças Armadas.

Portaria n.º 11/91, de 4 de janeiro: Aprova o Regulamento da Academia da Força Aérea.

Portaria n.º 777/91, de 8 de agosto: Estabelece as condições de prestação de serviço militar efectivo na Força Aérea Portuguesa por cidadãos do sexo feminino.

Despacho do General CEMFA n.º 31/00/A, de 13 de julho: Estabelece as medidas de protecção à maternidade.

Despacho do General CEMFA n.º 21/2009, de 7 de abril: Estabelece as normas de apresentação e atavio do pessoal militar.

 


[1] 6 de junho de 1961 assinala a data de início do 1.º curso de Enfermeiras paraquedistas (Machado & Carmo, 2012, 28) e 23 de agosto do mesmo ano, o dia de apresentação no “Comando da 2.ª Região Aérea, em Luanda, em trânsito para o Destacamento Avançado das Tropas Pará-Quedistas (Luanda), das alferes enfermeiras pará-quedistas Maria Arminda e Maria Ivone que iriam tomar parte na Operação Canda” (Grão, s/d).

 

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2013-10-30
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Cristina Fachada

Doutorada em Psicologia, pela Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa. Docente da Academia da Força Aérea (AFA) e do Instituto Universitário Militar (IUM). Investigadora do Centro de Investigação da AFA. Investigadora do Centro de Investigação e Desenvolvimento do IUM.

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Major

Nuno Quirino Martins

Licenciado em Sociologia, pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa. Colocado na Direção de Pessoal do Estado-Maior da Força Aérea.

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Maria João Oliveira

Licenciada em Ciências Militares e Aeronáuticas – Administração Aeronáutica, pela Academia da Força Aérea. Atualmente colocada na Base Aérea n.º 1, em Sintra, sendo o elemento mais antigo do Grupo de Trabalho do Serviço Militar Feminino na Força Aérea (GTSMFFA).

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Raquel Quintas

Licenciada em Ciências da Comunicação, pela Universidade Nova de Lisboa. Em preparação para os Quadros Permanentes da Força Aérea, na especialidade de Técnicos de Abastecimento.

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Ana Cristina Telha

Licenciada em Ciências Militares e Aeronáuticas – Engenharia Informática, pela Academia da Força Aérea. Atualmente colocada no Estado-Maior da Força Aérea.

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