Nº 2537/2538 - Junho/Julho de 2013
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
As resistências em Portugal à Revolução Militar Quinhentista
General
Gabriel Augusto do Espírito Santo

Non deixa de aver agora / taes homes / como passados /

mas se são avantajados, / são mortos em cada hora /

antes de ser afamados: / que a muita artilharia /

destroy a cavalaria, / e depois que se usou, /

nos homes nã se fallou / como antes se fazia.

Garcia de Resende, Cancioneiro Geral, 1516

 

 

I

A lição inaugural do Professor Michael Roberts proferida na Queen’s University of Belfast, em Janeiro de 1955, com o título “The Military Revolution, 1560 – 1660”, abriu um debate na área da historiografia militar ainda não terminado. Esse debate, centrado em questões relacionadas com as mudanças na sociedade, e a forma de conceber e combater na guerra surgidas com a transição na Idade Média para a modernidade na Europa do século XV, e seu hipotético relacionamento em causas e efeitos, passou a designar-se por Revolução Militar, assumindo papel de relevo nessa revolução, entre outros factores, o uso da arma de fogo individual e uma nova arquitectura militar conhecida como a traça italiana, como símbolos do permanente ajustamento entre os conceitos de ataque e de defesa.

O grande conflito dinástico europeu que foi a Guerra dos Cem Anos e as guerras dinásticas regionais que se lhe seguiram foram o dobrar de finados Quatrocentista sobre o estado feudal medieval e a sociedade tri-estamental que lhe estava subjacente, com a sua tríade de funções essenciais de oratores, bellatores e laboratores[1]. A mudança, prolongando-se no tempo, foi lenta mas progressiva até à modernidade, com várias manifestações de resistências, entre as quais a transferência das funções de bellatores para defensores.

As ideias do Professor Roberts viram-se confrontadas com os argumentos de outro historiador militar consagrado, o Professor Geoffrey Parker, em duas obras que mereceram a atenção internacional: The Military Revolution, 1560-1660 – a myth? (1977) e The Military Revolution: Military innovation and the rise of the West, 1500-1800 (1988). Abria-se, assim, um debate internacional sobre aquela Revolução Militar, centrado nos argumentos de Roberts, de Geoffrey Parker e outros que ainda não encontrou unanimidade quanto aos factores que influenciaram essa transformação, lenta mas progressiva, e que veio alterar conceitos de guerra e paz, concepção e organização da força militar e introduzir na ciência-arte de aplicar essa força modificações de ruptura com um passado feudal e da cavalaria. E, no nosso ponto de vista, até agora com deficiências na fundamentação, já que na argumentação apresentada tem falhado alguma pesquisa e interpretação sobre as adaptações que a força militar medieval teve de enfrentar para ser mais permanente, poder ser projectada por mar, que não o Mediterrâneo, para fora do continente europeu para cumprir objectivos fixados por um poder cada vez mais centralizado nas Coroas. Essas adaptações foram singulares no caso português (e abordaremos as diferenças quanto a Castela ou Aragão), merecendo alguma reflexão e pistas para novas investigações, já que as desenvolvidas até ao presente, com alguns afloramentos de investigação para outros continentes[2], têm estado demasiado focalizadas para a Revolução Militar ocorrida na Europa, devida a alterações na maneira de conduzir a guerra neste continente e a análise limitada ao combate terrestre.

Os argumentos mais apresentados naquele debate relacionam-se com o sentido e conteúdo do termo revolução, com o seu desenvolvimento no tempo, com a evolução das tecnologias que foram conferindo novas capacidades à força militar ou mesmo com o seu alargamento geográfico para fora da Europa. Mais esquecida tem sido a argumentação relacionada com as transformações numa sociedade que assistia a uma flutuação da população, com tendências decrescentes causadas pela fome e pela pandemia da peste negra ou na procura de centralização do poder nas coroas e o caminho para o estado moderno, com os seus instrumentos de burocracia, força militar e impostos. As técnicas condicionaram a sociedade, ou foram as exigências de novas estruturas sociais que aguçaram o desenvolvimento de técnicas?

Contestando o termo revolução, alguns autores preferem referir a mudança como uma transformação lenta e longa, com fases relacionadas com outras mudanças na sociedade. Essa argumentação leva a contestar algumas das cronologias apresentadas, que esquecem os desenvolvimentos havidos antes de 1500, especialmente na Guerra dos Cem Anos (1337-1453), onde verdadeiras revoluções ocorreram na forma de combater. Quer no combate próximo, voltando a combater-se a pé, como na antiguidade, dando origem à moderna infantaria, quer na atrição do adversário à distância, inicialmente com a besta, condenada pela Igreja como arma mortífera, depois com o arco e, posteriormente, com a novidade da utilização da força propulsora da pólvora, dando origem ao que passou a designar-se por artilharia. Estas duas revoluções, a da infantaria e a da artilharia, vão ter fortes incidências na estrutura e relações da sociedade e na concepção e organização da força militar permanente como instrumento do poder.

As resistências à mudança sentiram-se em várias das coroas europeias, com manifestações internas na constituição de uma força militar permanente e com manifestações externas na aplicação dessa força, agora tendencialmente vocacionada para conquistar.

É nossa intenção levantar pistas para a importância desta revolução militar em Portugal, face à qual, alguns autores sugerem, o Reino «aparentemente ficou de fora»[3]. Julgamos que essa revolução tomou formas peculiares em Portugal, iniciando-se nos anos de Quatrocentos e atingindo o seu ponto alto de tentativa de afirmação na primeira metade dos anos de Quinhentos, com fortes resistências à mudança, numa sociedade onde o poder real se procurava afirmar, onde o sistema feudal tinha características particulares e onde os descobrimentos e a projecção da força militar à distância, por mar, obrigaram, a par de técnicas e de táticas, a um pensamento estratégico de conceber a força e de a estruturar para os objectivos pretendidos. Com população escassa e com recursos diminutos, será que a força militar do Reino foi concebida e estruturada para prosseguir os objectivos estratégicos concebidos procurando seguir o pensamento militar que a revolução militar em curso parecia indicar? Ou será que terá havido avanços e recuos nos longos duzentos anos que separam Aljubarrota, em 1385, do recontro de Alcântara, em 1580, e durante os quais o único combate terrestre travado com outras forças europeias se limitou à batalha de Toro, em 1476?

Reconhecemos as dificuldades da seara onde pretendemos meter a foice, onde uma notável investigação e reconhecidos historiadores têm trazido, nos últimos anos, valiosos avanços para o conhecimento deste período da nossa História. As dificuldades mantêm-se em várias áreas: na da investigação, com fontes já muito estudadas, onde sobressaem as crónicas, arquivos e alguma correspondência, por vezes contraditória quanto à origem e organização da força militar do Reino; na da interpretação, resultante da pouca disponibilidade de iconografia da época, onde as denominadas tapeçarias de Pastrana, ainda que sujeitas a dúvidas, constituem excepção; na da historiografia militar nacional disponível sobre o assunto, muita dela escrita em tempos diferente de interpretar a História, e que só recentemente vai sendo corrigida por uma nova geração de académicos que se interessam pela História Militar e que lhe têm trazido uma componente essencial: o enquadramento na conjuntura que se vivia na Europa e no mundo conhecido coetâneo.

A curiosidade venceu a dificuldade. Curiosidade que nos foi despertada por um ensaio de um Amigo, o Mestre em História, Dr. Pedro de Brito, intitulado «A arte da guerra no Portugal do humanismo renascimental»[4], que nos apresentou algo de novo e pouco tratado por quantos se têm debruçado sobre a História Militar em Portugal. Curiosidade reforçada pelo interesse que sempre nos despertaram as revoluções militares, com especial relevância para a que estamos a tratar, dado percorrer um tempo da História de Portugal, marcado por datas importantes para a Nação portuguesa e que balizam a revolução militar quinhentista aqui iniciada em 1385, com Aljubarrota, e mal continuada, por resistências de vária ordem, e que conduziu à derrota na Ribeira de Alcântara, em 1580, por falta de um instrumento militar do Reino com capacidade para se opor ao invasor.

Portugal percorreu esses duzentos anos acompanhando as revoluções na infantaria e na artilharia, ainda que a partir da conquista de Ceuta, em 1415, a defesa do Império e as suas peculiaridades se tenham sobreposto às exigências de defesa do Reino no seu espaço europeu e o acompanhamento dos desenvolvimentos militares nesse espaço. Acontece que, no caso português, a revolução na náutica, iniciada com aquela conquista e abrangendo aspectos tecnológicos e científicos tão diversificados como a construção de um navio para o alto mar, a arte de navegar sem terra à vista ou a navegação “contra o vento”, tenha sido quase ignorada pelos autores que se debruçam sobre a Revolução Militar Quinhentista[5], termo que entrou na historiografia militar mais recentemente, mas que em Portugal, já no distante ano de 1953, e a propósito do Quarto Livro de Isidoro d’Almeida (Instruções Militares), tenha merecido algumas páginas importantes pelo então Director do Arquivo Histórico Militar, Coronel Faria de Morais[6].

No Reino de Portugal, a revolução na infantaria, iniciou-se em Agosto de 1385, com Aljubarrota, onde parte da hoste real combateu a pé, introduzindo na batalha a capacidade militar defensiva conferida pelas lanças em formação cerrada e a capacidade de atrição à distância conferida por besteiros e pelos archeiros ingleses. Tal como na batalha de Crécy (Agosto, 1346)[7], que alguma cronologia militar aponta como o início da revolução na infantaria, uma força de menores efectivos, utilizando a lança e o arco alongado, derrota uma força superior e dominante em cavalaria que constituíra, durante quase mil anos, a força militar por excelência. A sua continuidade, materializada por avanços e equilíbrios, dos quais os mais significativos são, do ponto de vista operacional, o equilíbrio do pique e da arma de fogo individual nas formações para o combate e, do ponto de vista organizacional, a adopção dos conceitos de militar pago ou permanente, comando, e disciplina, materializados no crescente, mas lento aparecimento da ordenança, também conhecida na terminologia militar portuguesa como a soyça (suiça, já que os conceitos tinham sido introduzidos nas formações militares helvéticas na sua resistência ao alargamento dos espaços da Borgonha e de França, o que tinha merecido a atenção da Europa de então), é prejudicada por resistências na sociedade
portuguesa, vindas especialmente da nobreza, das Ordens Militares e das populações que resistiam ao serviço da coroa, e que se traduziram em dificuldades de defesa de um Império que se alargava, sujeito a ameaças que mudavam de natureza. Em 1510, Afonso de Albuquerque, na sua correspondência para o Rei, lembrava que lhe faziam falta «capitães da çuiça, para ensinar a não fugir a gente de pé que lhe chegava de Portugal e cuja debandada lançava a desordem entre aqueles que tinham o dever de fazer boa figura» [8]. Na partida da expedição a Azamor, em 1513, conduzida por D. Jaime, o 4º duque de Bragança, representou-se perante o Rei D. Manuel I a tragicomédia A Exortação da Guerra, da autoria de Gil Vicente. Na voz de um dos personagens traduziu-se o que eram aquelas resistências: «E vós priores honrados, reparti os priorados a Suiços e a soldados»[9].

Portugal, por opção de projectar força militar e particularidades da defesa em Marrocos, seguiu mais a revolução da artilharia do que a da infantaria e resistiu aos conceitos da nova ordenança.

É certo que, durante as guerras com Castela, em 1383 e 1385, já foi utilizado o lançamento de projécteis à distância pela energia desenvolvida na combustão da pólvora, sendo menos confirmado o seu uso em Aljubarrota. A experiência de Ceuta, relatada por Zurara[10], mostrara que as cidades poderiam ser melhor conquistadas se flageladas previamente à distância por pelouros que desmoralizassem populações e causassem alguma destruição, tal como mostravam as experiências da Guerra dos Cem Anos nos cercos a cidades do Norte de França (Calais, St. Malo). Quando D. Afonso V inicia as suas expedições ao Norte de África, para a conquista de Alcácer-Ceguer (1458), Tânger (1464) ou Arzila (1471), as possibilidades da artilharia portuguesa já eram notáveis, quer nas armas individuais dos espingardeiros quer no armamento colectivo de flagelação à distância conferido pelas bombardas. Essa revolução foi mais seguida pela artilharia embarcada e de ataque a fortalezas, mas a utilização do armamento individual e da artilharia desembarcada, que para o seu deslocamento em terra requeria menores pesos e consequentes calibres, fica evidenciada na conquista de Malaca por Afonso de Albuquerque, em 1511[11].

Ao contrário das resistências postas à revolução da infantaria, o desenvolvimento da artilharia foi acarinhado pela coroa, nobreza e mercadores, favorecendo contactos com as origens das tecnologias da pólvora e da fundição dos metais na Flandres, em Inglaterra e nas cidades alemãs da Liga Hanseática. Documentada por fontes escritas, o seu estudo tem recebido grandes impulsos com as representações iconográficas das tapeçarias de Pastrana[12] e outras referentes aos feitos portugueses no Oriente[13]. Desde o início da sua utilização, a artilharia materializou a verdadeira força militar real.

A náutica dos descobrimentos portugueses vai acrescentar à Revolução Militar Quinhentista novos impulsos para projectar a força militar à distância por mar. A caravela, misto da nau da pesca e do navio latino do Mediterrâneo, apropriado às navegações descobridoras do Atlântico, tal como aparece em Portugal, depois de 1442, é uma conquista técnica dos portugueses[14]. Afonso de Albuquerque, com a sua acção no Oriente, é considerado «o pai da estratégia naval»[15], já que aplicou a força embarcada para conquistar posições que depois procurava defender com guarnições permanentes. Estratégia que protegia o comércio e defendia o Império.

Uma outra contribuição portuguesa para a revolução militar foi a técnica de construção expedita de fortalezas de madeira, materializando a presença e a ocupação. Os artesãos carpinteiros portugueses, treinados na construção naval, contribuíram decisivamente para esta técnica. Conhecidas como bastidas, na terminologia de Fernão Lopes, com as conquistas transformam-se em verdadeiros castelos de madeira, como os designa Garcia de Resende. Embora a instalação de fortalezas, associadas a feitorias que cumpriam um objectivo simultaneamente comercial e estratégico, se tenha iniciado em Arguim (antes de 1455) e na Mina (1482), só no reinado de D. Manuel I surgem indi-
cações concretas da utilização de castelos de madeira que, muitas vezes, eram transportados de Portugal já pré-fabricados[16].

Estabelecidas, em grandes pinceladas, algumas certezas e muitas dúvidas sobre um tema que atravessa o Reino de Portugal de 1385 a 1580, cobrindo sete reinados e acontecimentos relevantes com eles relacionados e que destacaremos em local próprio, propomo-nos dar sequência ao nosso raciocínio percorrendo, sucessivamente, os marcos fundamentais das revoluções da infantaria e da artilharia na Europa quinhentista e o seu relacionamento com a projecção da força militar à distância e por mar a que a revolução náutica em Portugal deu suporte próprio e inovador. Mas sobressaíram, também, resistências às mudanças, com consequências para a acção militar no Índico e no Oriente, face a um novo enquadramento estratégico adverso e para a independência do Reino, quando os argumentos jurídicos e a acção diplomática não conseguiram opor-se à força militar modernizada de Espanha. Entre 1385 e 1580, onde o comum são fortes argumentos jurídicos a defenderem o direito de aqueles que começavam a designar-se por portugueses terem direito a monarca próprio, o diferente materializa-se por esses argumentos, em 1580, não terem força militar a apoiá-los como houve dois séculos antes.

 

II

A guerra medieval foi caracterizada pelo papel preponderante da cavalaria pesada (cavaleiros e cavalos protegidos por armaduras que foram evoluindo para equipamentos mais aligeirados). Os exércitos que prevaleceram nos campos de batalha da Europa, desde os meados do século XI até aos inícios do século XIV, eram compostos principalmente por aristocratas-cavaleiros, que eram senhores feudais e logo senhores de terras, a quem os seus utilizadores deviam, entre outras obrigações, o serviço na guerra. Pela força que mobilizavam e com que contribuíam para a hoste real também eram recompensados em honras e privilégios com graus nas Ordens Militares, corpos militarizados cimentados pela religiosidade, por compromissos e por honra, pela doação de terras e outros. A eficiência desta cavalaria é fácil de explicar: o cavaleiro medieval, apoiado pelo trabalho dos outros, tinha mais tempo para se adestrar e praticar; com melhor dieta alimentar era maior e mais forte do que os peões que o acompanhavam; o investimento que fazia no cavalo, nas armaduras e nas armas, aumentavam as suas capacidades militares. A protecção e a mobilidade tornavam o homem de armas e a sua lança (os que o acompanhavam na guerra, entre três e seis homens, segundo alguns estudiosos) especialmente aptos para a guerra de cerco, em que as vitórias eram alcançadas mais pela falta de víveres dos sitiados do que os feitos dos sitiantes. Esta maneira de combater na guerra também levantava um problema económico, que viria a ser alterado com as novas exigências em efectivos para adaptar a força militar à invasão e conquista. O armamento e equipamento do cavaleiro medieval eram caros e a montada requeria meios para a sua manutenção representando, nos meados do século XIII, cerca de dez anos de salários de um archeiro a pé, limitando por isso o número de cavaleiros que poderiam ser levantados. Em contraste, pelos meados do século XV, equipar um besteiro custava cerca de metade do que custava um homem de armas e um arqueiro cerca de trinta vezes menos[17].

No contexto das coroas europeias, a França com maior população e abundância agrícola, era quem podia levantar maior número de homens de armas, apesar do seu custo, e no sistema feudal as suas hostes dominavam. Não constitui surpresa que a revolução da infantaria começasse pelos vizinhos e oponentes aos desígnios gauleses de expansão: ingleses, flamengos e suíços.

As novas forças da infantaria na Europa, tão evidenciada na batalha de Laupen (1339)[18] pelos piqueiros e archeiros suíços, vieram introduzir algo de novo na arte da guerra, o que já não se via desde o tempo das legiões romanas. Uma formação de homens a pé, armados de piques e alabardas, sem o apoio de cavalaria, com uma estrutura de comando e disciplinada, tinham vencido um exército superior em número e armamento. E o sucesso dessa nova força baseou-se num conjunto de desenvolvimentos tecnológicos e trouxe consigo importantes alterações na sociedade.

Entre os desenvolvimentos tecnológicos assume especial importância o arco longo, desenvolvido por ingleses, que melhorando o arco curto em cerca de quatro pés de comprimento lhe aumentou o alcance e a energia de penetração em cerca um quarto. São os archeiros, armados com aqueles arcos e misturados em formações com piqueiros a pé, que vão permitir obter duas inovações no combate terrestre: a atrição à distância que levava a dispersar o opositor e o poder defensivo face à acção da cavalaria. O desenvolvimento desta força para combater a pé vai ser lento e vai durar mais de dois séculos até ao século XVII. As inovações técnicas e tácticas passam pelo pique suíço, alongado até aos cerca de seis metros, a arma de fogo individual, a mistura de piqueiros, alabardeiros e armas de fogo em formações que vão crescendo em efectivos, a disciplina da ordenança para evitar a dispersão de esforços e algumas mais. Não se abandonou a cavalaria, com a sua mobilidade e capacidades militares próprias, onde sobressaíam a surpresa, a capacidade ofensiva e o poder de choque.

A arma de fogo individual tem um processo longo na sua adopção. Por questões de resistência na sua utilização (os suíços continuavam a confiar mais nos seus piques, os ingleses no seu arco e os franceses na arma de fogo colectiva), por questões técnicas (carregar e utilizar a arma de fogo individual teve um lento desenvolvimento até se descobrir a melhor forma de dar fogo, com a invenção da “serpentina”, até se adoptar a forma de a apontar a partir do ombro, o que foi conseguido com o arcabuz e a introdução de um gancho que era a coronha, e até se encontrar uma cadência de tiro que tornasse menos vulnerável o atirador enquanto recarregava, o que começou a ser conseguido com o mosquete) e também por uma questão da detenção do poder, já que a nobreza e as coroas cedo se aperceberam que as novas armas davam poder a gente comum que ascendia na responsabilidade de fazer a guerra. Instruir um arcabuzeiro mostrou-se mais rápido e fácil do que instruir um bom archeiro.

A evolução desta nova força de infantaria, desde os anos de Quatrocentos até aos anos de Seiscentos, é acompanhada pela teorização da arte da guerra, relendo e difundindo clássicos que tinham ficado durante séculos nos conventos, mas que a nova imprensa permitia divulgar, como Vegésio, ou Tácito. Encontrar as melhores formas de conceber, organizar e armar a força militar para nova finalidade da guerra, que evoluía para a conquista, requeria homens e dinheiro.

Desde logo se tornava evidente que, para formar a força militar, eram necessários mais efectivos, difíceis de encontrar pela resistência dos povos a servirem na guerra, recorrendo-se aos mercenários encontrados entre os suíços e os lansquenetes alemães. A disposição desta nova força para o combate, nas formações quadradas adoptadas pela táctica suissa, mas agora misturando os piqueiros com as armas de fogo, levou a um processo longo para encontrar o efectivo que permitisse manter capacidades militares defensivas, de apoio mútuo e de protecção, observando ao mesmo tempo princípios estruturantes de uma força militar, como ensinavam os clássicos, de comando e sua delegação em subordinados, disciplina e coesão. É a infantaria da nova Espanha unificada e o grande capitão Gonzalo Fernandez de Córdova (1453-1515)[19] que, com o seu Tercio, vai encontrar a unidade táctica fundamental para o combate e, na batalha de Cerignola (Itália, 1503)[20], vai demonstrar como os arcabuzeiros podem ganhar um combate.

A revolução na artilharia que se processa no mesmo período de tempo que a da infantaria está mais relacionada com aspectos técnicos do que tácticos. O que estava em causa era lançar projécteis mais destruidores a maiores distâncias o que se procurava atingir com maior força propulsora garantida pela energia desenvolvida pela combustão da pólvora, que era superior à desenvolvida mecanicamente por qualquer outro engenho utilizado até então nos cercos e assédios contra as defesas verticais que se materializavam no castelo medieval.

A fórmula de composição da pólvora, misturando salitre, enxofre e carvão vegetal, definida por Roger Bacon (1267), em Inglaterra, deu início à fabricação de engenhos, pequenos e baratos, capazes de lançarem projécteis à distância. Com referências dispersas na sua utilização, cronistas das lutas que opuseram ingleses a escoceses referem que no cerco inglês a Berwick, em 1333, já foram lançadas pedras sobre a cidade utilizando os novos engenhos[21]. A partir de então, e durante cerca de um século (1330-1430), os progressos havidos no desenvolvimento da nova arma para a guerra, passaram pelo fabrico do tubo lançador, peso, dimensão e natureza do projéctil que podia disparar, tudo condicionado pela natureza e quantidade do tipo da pólvora utilizada[22].

O tubo lançador começou por ser um cilindro moldado em chapa de ferro, sendo o seu comprimento cerca de 1,5 vezes o diâmetro do projéctil lançado, ocupando a pólvora um volume de cerca de um quinto do volume total. Cerca de 1430, depois de se passar por técnicas diferentes para fabricação do tubo, onde a fundição do ferro e utilização do caulino nessa fundição foi um passo significativo, o tubo já tinha um comprimento que passava por três vezes o diâmetro do projéctil disparado, o que permitiu utilizar melhor a energia desenvolvida, aumentando a velocidade inicial e daí o alcance e a energia na área do impacto. A substituição de projécteis de pedra por projécteis metálicos foi outra modificação importante. Mas, o duelo entre a defesa e o ataque continuava, com vantagem para a defesa fortificada, que parece vir a ser ultrapassada por volta de 1430, quando a artilharia do cerco se pode sobrepor à da defesa.

Na evolução da infantaria e da artilharia, durante os séculos XIV e XV, tiveram forte influência as lutas que se desenvolveram nas coroas da Europa, entre si (França, Inglaterra, Aragão, Castela, Borgonha), na procura de uma hegemonia e aquelas que se desenvolveram no seu interior contra poderes instituídos ou na procura de sucessões na coroa, não sendo de ignorar, também, o que se passava a Oriente, onde o império otomano procurava expandir-se para Ocidente com uma máquina de guerra onde uma infantaria profissionalizada (janíçaros) e uma artilharia desenvolvida iriam conquistar Constantinopla (1453).

Foi em França, destroçada pelas disputas internas e nas lutas contra ingleses, com novo espírito nacional inspirado por Joana d’Arc, e para por fim a certa anarquia fomentada por bandos de mercenários desocupados, que se inicia um novo período na forma de combater na guerra, terminando o sistema feudal de monopólio da cavalaria. O novo monarca, Carlos VII, inicia reformas militares (1445-1449) que vão conduzir a exércitos permanentes, o que não se via na Europa desde o tempo dos romanos. Foram criadas companhias de ordenanças (inicialmente quinze e depois vinte), cada uma com efectivos de cerca de 600 homens, distribuídas por todo o território “para imporem a ordem”. Ao mesmo tempo, dois irmãos (Jean e Gaspard Bureau) organizam a artilharia. É este novo exército, já no reinado de Carlos VIII, que inicia uma campanha em Itália (1494-1496) e conquista Nápoles a Aragão, levando a Europa a recear esta nova França. Para alguns historiadores militares, França e Espanha foram unificadas, no século XV, pela artilharia. O rei católico Fernando, após a conquista de Granada (1492) confere título de nobreza ao chefe dos seus artilheiros, Francisco Ramirez, justificando a mercê com «ter prestado um grande serviço a Deus e a mim»[23]. O final da cavalaria medieval perante a arma de fogo fica materializado na batalha de Pavia (Fevereiro de 1525) quando as forças de França, sob o comando do seu Rei, Francisco I, sucumbem pelo fogo dos arcabuzeiros espanhóis de Carlos V, que vai juntar ao seu Império a Borgonha, o Artois e a Flandres.

 

III

A historiografia militar nacional foi alimentada no século passado, e mesmo antes, por civis e, sobretudo, militares que, paciente e laboriosamente, recolheram dados, estudaram e investigaram documentos, permitindo-nos dispor de um conjunto descritivo de datas e factos que nos dão a estrutura de um edifício que tem séculos, e que sem esse trabalho hoje seria difícil de construir[24]. Julgo ter havido em Portugal, como em outras partes do Mundo, um certo preconceito para o mundo académico não querer entrar na História Militar, deixando a militares, algumas vezes sem formação específica e dando mostras de um elevado sentido de autodidatismo, a tarefa que deveria ser de historiadores. Os tempos mudaram, lá fora como por cá. O mundo académico assumiu interesse crescente pela História Militar, como se demonstra pela bibliografia publicada. Em Portugal, essa tendência é seguramente seguida e a publicação da Nova História Militar de Portugal[25] representa, na estrutura, coordenação e colaboração de notáveis autores dos textos, uma nova forma de escrever, interpretando factos e mergulhando na História, numa das suas áreas mais modernas e que procura relações com a evolução da sociedade, em estruturas, sentido de valores, tecnologias e visão na concepção de grandes estratégias para a paz ou para a guerra.

Para interpretarmos a Revolução Militar Quinhentista em Portugal, as resistências à sua implementação e as consequências resultantes, pareceu-nos enquadrar o tema em dois dos tempos que o Professor Veríssimo Serrão considera na sua obra monumental da História de Portugal: A formação do Estado Moderno (1415-1495) e O Século de Ouro (1495-1580)[26]. Cobrem esses tempos um longo período da Revolução Militar que se processava na Europa, que também contribuiu para construir o Ocidente como hoje o entendemos e é limitado pelas duas datas por nós escolhidas para enquadrar aquela Revolução no Portugal de então (1415-1580). A divisão dos tempos pelo Professor Veríssimo Serrão, e a sua caracterização, enquadram as resistências a essa Revolução, que em cada período foram de natureza diferente: a formação do Estado Moderno necessitava de uma força militar permanente para servir o Reino e a Coroa, a que os Estados do Reino (nobreza, clero, povo) resistiram por formas próprias à sua concretização. A subida ao trono de D. Manuel I, em 1495, e as necessidades de defesa crescentes de um Império que se estendia de Oriente a Ocidente, não encontraram respostas por uma Coroa e um Reino que, deslumbrados pela riqueza e pelo comércio, e apesar de feitos e sacrifícios dos seus capitães, não queriam ouvir os conselhos dos seus “soldados práticos”, conduzindo a Alcácer-Quibir (1578) e à invasão do Reino pelo duque de Alba, em Agosto de 1580, para a qual, quase, não houve resistência[27].

Procurando seguir o método, e no intuito de nos remetermos à nossa tese inicial sobre as Resistências à Revolução Militar, vamos considerar, em primeiro lugar, o período que caracteriza A formação do Estado moderno, que se inicia com a dinastia de Avis e vai durar os reinados de D. João I (1385-1433), D. Duarte (1433-1438), D. Afonso V (1438- 1481) e D. João II (1481-1495). Durante pouco mais de um século, e ao mesmo tempo que se fazia a transição de uma monarquia feudal para uma monarquia real, novos enquadramentos exteriores ao Reino, diferentes realidades populacionais e de arranjos sociais, crise económica e debilidades financeiras, a procura de equilíbrios de poder entre a Coroa e os Estados, Ceuta e o Norte de África, a realidade do comércio e povoamento em novos espaços que se iam descobrindo e exigências para a sua regulamentação e protecção, com novas formas de fazer a guerra a que se assistia na Europa de então, são alguns dos factores que se traduziram nas resistências ao levantamento de uma força militar do Reino.

D. João I conhece as circunstâncias em que sobe ao trono. As cortes de Coimbra, em 1388, reclamam um quarto Estado com representação de letrados. Aljubarrota, onde muita da velha nobreza portuguesa tinha lutado do lado errado, precisou do auxílio de armas estrangeiras e mais uma vez, como nas denominadas campanhas fernandinas, mercenários supriram as fragilidades de uma força militar da nação. A ameaça de Castela continuava e, até se conseguir um tratado de paz temporário (1411), o enquadramento internacional de segurança foi procurado em novas alianças que contrariassem a ameaça: Inglaterra, Aragão e Borgonha foram eixos da sua política externa e uma hábil e laboriosa negociação de casamentos o principal instrumento daquela política.

Internamente procurou reforçar-se o poder real, com algumas medidas que vão passar pela reorganização dos Estados e o papel das cortes na aprovação de impostos ou recolha de meios financeiros necessários à Coroa, pela maior ligação das Ordens Militares à casa real, pela criação de novas casas senhoriais ligadas a títulos concedidos aos Infantes da nova geração (Barcelos, Coimbra, Viseu), pela criação de novas elites de proveniências variadas para provimento de ofícios e responsabilidades perante a Coroa com o seu estatuto de escudeiro ou cavaleiro[28] (onde a conquista de Ceuta e as campanhas de Marrocos vão desempenhar papel importantes) e pela tentativa de devassas a bens que sendo do Reino não estavam nas suas mãos. Era também necessário estabelecer uma força militar para o Reino, submetida à vontade real e não às vontades de Ordens Militares e senhorios. Era essa a verdadeira Revolução Militar que se processava na Europa de então e de que alguns ecos chegavam a Portugal. A organização dessa força poderia passar por armar o povo, enquadrá-lo por novas elites que não fossem só da nobreza e constituir um poder militar à disposição do Rei e que não fosse repartido.

A arma de fogo e a nova artilharia parecia oferecerem essa possibilidade. A batalha, passando do cerco às fortalezas verticais para o combate em campo aberto, e a pé, justificava que o povo participasse nos interesses do Reino, e constituísse uma verdadeira infantaria. Ao tempo, convém salientá-lo, “a arte militar achava-se suficientemente desenvolvida para constituir uma ciência com os seus mestres, os seus discípulos, os seus cânones e as suas autoridades. E, porventura mais do que em qualquer outra «ciência» da época, ouvia as lições da experiência e procurava tirar proveito delas[29]. E D. João I não seria estranho a esses desenvolvimentos, interessando-se pela batalha, como explica no Livro da Montaria, dissertando sobre as vantagens do xadrez ou da caça para o estudo das posições e movimentos do inimigo ou condições do terreno[30].

O que era a força militar do Reino ao tempo do primeiro Rei da dinastia de Avis, na sua composição, organização, efectivos e armamentos?

As investigações e a historiografia sobre a evolução das instituições militares em Portugal remontam aos trabalhos de Alexandre Herculano e Gama Barros, entre outros, e houve tentativas da sua sistematização desde então, com os trabalhos posteriores de notáveis historiadores e escritores militares, mas temos de admitir que só as primeiras Crónicas do Reino e o aparecimento das Ordenações Afonsinas (D. Afonso V, 1444-1446)[31] trazem bases sólidas de investigação para um período onde escassearam fontes. Trabalhos mais recentes, de que destacamos os estudos do Coronel Faria de Morais, A.H. de Oliveira Marques e João Gouveia Monteiro, permitem-nos melhores respostas, ainda que incompletas, para aquela interrogação[32].

Não é conhecida com precisão a população do Reino no início da dinastia de Avis (indicador importante para avaliar a capacidade militar). Diz Veríssimo Serrão, com base na contagem de besteiros do conto que D. João I teria ordenado, em 1417, que essa população (4800) seria estimada em 1.000.000 de habitantes, o que o autor acha exagerado[33]. Uma outra estimativa, esta para 1347-1348, refere 1.500.000 habitantes e para 1450 cerca de 900.000[34]. Nessas estimativas de população, a nobreza denominada de sangue oscilaria pelos 500 indivíduos, a média e pequena nobreza oscilaria por 4500 e o clero secular por 4200. Estes números vão diminuir até 1450. A peste negra chega a Portugal em 1348 e o surto de 1356 terá sido terrivelmente mortífero; dificuldades de recursos e frequentes períodos de guerras com Castela (1369-1370, 1372-1373, 1381-1382, 1383-1385, 1438-1441) são algumas das causas do declínio populacional.

Os efectivos militares das hostes vinham numa tendência decrescente desde o final das Cruzadas, no século XIII, mas, durante a Guerra dos Cem Anos, França e Inglaterra ainda conseguiram formar forças terrestres de 30.000 efectivos.

Com o final da Reconquista e o reinado de Dinis (1278-1325), o Reino entra num processo de reorganização interna, nas áreas da justiça, da fazenda e das mercês (é criado o primeiro condado português em Barcelos). Sem documentação coeva muito esclarecedora sobre o assunto, alguma historiografia atribui àquele monarca as primeiras tentativas de organização de uma força militar com maior prontidão para a defesa de terras e gentes. Contrata o genovês Manuel Pessanha (1317) para comandar uma frota permanente que vigie e defenda a costa e navegação de ataques de berberes e piratas. Tentando equilibrar a hoste real, formada essencialmente pelas contribuições da nobreza e das Ordens Militares, com a presença do povo, o Rei recorreu a uma organização recrutada territorialmente por cidades, terras e concelhos, vigiada e controlada por coudéis, recorrendo a aquantidados (moradores do reino, com casa própria, a quem eram avaliados os bens e onde havia largas excepções, mas que ficavam obrigados a servir o Rei na guerra e a manter armamento, equipamento e nalguns casos cavalo) e a besteiros do conto (número contado por unidades territoriais). Para necessidades nas galés e outras tarefas militares, também se recorria a homiziados, criminosos vivendo em coutos e alguns mercenários estrangeiros.

A hoste real que o monarca podia reunir para fazer a guerra, tendo em conta a população e a organização concebida, não ultrapassaria os 10.000 homens. A contribuição de D. Afonso IV para a batalha do Salado (1340) teria rondado as 1000 lanças (3000, 4000 ou ainda mais homens, dependendo da forma como algumas descrições avaliaram o que era a lança)[35] acompanhadas de peonagem. Passados cinquenta anos, em que ocorreram confrontos para a defesa do Reino, a hoste que o mestre de Avis juntou em Aljubarrota (1385), e na qual não participou alguma nobreza que tinha tomado parte pelo Rei de Castela, rondaria, segundo Fernão Lopes, 6500 homens entre lanças e peonagem (entre a qual cerca de 600 arqueiros ingleses), número que o cronista López de Ayala, coevo e presente na batalha, estima em 12.200 combatentes[36]. O Reino de Portugal não andaria muito afastado das tendências da Europa de então, em que os efectivos disponíveis para a hoste real não ultrapassariam 0,5% da população recrutável[37].

O pensamento estratégico de D. João I, no início do seu reinado, parece ter passado, em primeiro lugar, pela preparação militar do Reino para fazer face a qualquer desforra e agressão por parte de Castela, que se traduziu na procura do seu reconhecimento por parte das coroas europeias, tentando limpar «o seu sangue bastardo», e na constituição de um aparelho militar permanente. O recurso às Cortes para apoiar decisões e obter os recursos necessários fornecidos por terras e cidades, a regulamentação das Ordens Militares e o fortalecimento de uma classe dirigente, desfalcada na nobreza que se tinha passado a Castela, mas que poderia ser engrossada por comerciantes e letrados que aspiravam a ser «algo», seriam objectivos a orientarem aquele pensamento.

Para a constituição de uma força militar permanente contaria D. João com as capacidades populacionais do Reino e com o pagamento de «soldo» àqueles que o serviam. Fernão Lopes relata, a propósito do alardo que o ainda Mestre de Avis reuniu no vale da Vilariça, em terras de Moncorvo, e onde se juntaram 4500 lanças e peonagem que «cada huum servia com aqueles que podia servir, assim homens de armas como de pé e para todos havia soldo»[38]. Em Cortes, no início dos Quatrocentos, o Rei apresentou uma proposta imaginada com o seu Conselho: a constituição de «uma hordenança certa para defensão dos seus reinos de 3200 lanças» (500 lanças de capitães – certamente as lanças dos vassalos principais – 340 das Ordens Militares e 2360 de escudeiros de uma lança, ou seja de pequenos vassalos, da pequena burguesia ou nem isso)[39]. A estas intenções, cuja concretização parece ter tido resistências, vai o Rei juntando medidas menores que materializem uma força militar permanente à sua disposição. Em 1392, terá constituído um corpo seleccionado de 500 besteiros a cavalo, com uma estrutura hierárquica e de comando começando no coudel-mor (ou anadel-mor), que era de nomeação régia e superintendia na estrutura territorial de coudeis e mesmo numa pequena força de protecção real que era o corpo de besteiros de câmara do rei[40]. Parecem datar deste período outras disposições visando preparar o Reino para tempos de crise ou de guerra como sejam as nomeações de fronteiros-mores para áreas de fronteira mais ameaçadas e de alcaides-mores para as fortalezas. Dois documentos régios promulgados em Aldeia Galega da Merceana, a 1 e 8 de Novembro de 1410, regulam o recrutamento de besteiros do conto e o apuramento dos vintaneiros do mar, ou seja, os remadores das galés régias[41].

Teremos de reconhecer que todas estas supostas disposições transmitidas por vária historiografia só passam a ter uma fonte documental segura nas Ordenações Afonsinas que procuraram sistematizar vária legislação que nunca teria sido compilada.

 

IV

Nos oitenta anos que decorrem entre a expedição a Ceuta (1415) e a morte de D.João II (1495), há acontecimentos na vida portuguesa que mostram, por um lado, o desejo de acompanhar os ventos de modernidade que se iam processando nos reinos da Europa, onde se incluía a Revolução Militar, e, por outro lado, as intensas resistências a essas mudanças materializadas, entre outras, à formação do estado moderno e da sua força militar permanente.

Ceuta, e o seu porquê em 1415, depois de tréguas temporárias com Castela (1411), quando ainda decorria a fase final da Guerra dos Cem Anos e um pensamento estratégico que tinha voltado à conquista territorial como forma de adquirir espaço e hierarquizar os reinos pela sua dimensão, já foi muito explicada pela historiografia portuguesa nas diversas teses defendidas[42].

Mas, de acordo com o pensamento estratégico dominante, e tendo em conta que o Reino de Granada seria presúria natural para reinos contíguos peninsulares, parece-nos de interesse a argumentação apresentada por Luís Miguel Duarte[43]. Este autor vê no porquê de Ceuta três planos distintos de razões: «a possibilidade, latente desde a trégua com Castela, de cometer alguma empresa militar, que tinha como grande entusiasta a nobreza; a escolha de um objectivo; e, por último, a história do que se passou depois».

A estas razões, seguindo a metodologia do autor, gostaríamos de acrescentar algo, na perspectiva da Revolução Militar que se iniciava. Uma empresa militar, como se pensava, iria exigir uma força militar que envolvesse o Reino nas suas várias componentes sociais e que por feitos permitisse refazer elites que faltavam; o objectivo teria de ser territorial, de espaço e de comércio; o que se iria fazer depois levantava dúvidas, e o recurso foi voltar a fazer uma guerra como se tinha feito na reconquista, mas agora com armas de fogo onde sobressaía a artilharia das fortalezas. Em termos militares, se Ceuta foi uma conquista de gente a pé (em Ceuta teriam desembarcado dois cavalos, segundo as crónicas, e os trons e outra pouca artilharia não participaram no combate), com substancial participação de besteiros e outros homens a pé (12.000 numa força estimada em 19.285)[44], a guerra guerreada que se seguiu não permitiu e não fomentou o desenvolvimento de uma ordenança como se adivinhava na Europa.

A história militar de Portugal em Marrocos não é uma história de conquista. É uma história de ocupação em pequenas cidades, e defensiva, e que se constitui em campo de experiências para a evolução de um pensamento militar a aplicar nas descobertas, treino para alguns soldados profissionais que constituíram as guarnições pagas de fronteiros e para o aperfeiçoamento das técnicas de emprego da artilharia. Foi também um seminário para formar uma nova classe de cavaleiros e escudeiros que iria constituir a classe dirigente das descobertas e do Império. Mais perto da metrópole, às reticências iniciais para ficar em Ceuta e onde D. Pedro de Meneses, por falta de outros, acabou por permanecer mais de quarenta anos, Marrocos e as suas praças mostraram-se mais atractivas do que a Índia. No reinado de D. Manuel I, enquanto na Índia foram nomeados 82 cavaleiros, especialmente por D. Francisco de Almeida e Afonso de Albuquerque, nas praças de Marrocos foram nomeados 413, com predomínio acentuado para Azamor (193)[45].

Ceuta vai ter de resistir cerca de quarenta e três anos por si só, com uma guarnição estimada em 2500 homens, a soldo, e escassa artilharia sem finalidade e capacidades defensivas, conduzindo uma guerra medieval de cercos e sortidas de cavalaria reduzida. Sofre dois violentos cercos ainda em vida de D. João I (1418 e 1419), sem possibilidades de socorro. Talvez por isso, o Infante D. Duarte, herdeiro do trono e associado ao governo do Reino desde 1411, tenta reorganizar as capacidades militares da Nação, promulgando, em Sintra, a 21 de Novembro de 1418, o Regimento dos Coudéis (em simultâneo com o Regimento dos Corregedores). De acordo com uma avaliação dos bens próprios, iria fazer-se a divisão dos soldados presentes nos alardos, em seis grupos: os que têm cavalos arnesados; os que têm apenas cavalos singelos; os que se apresentam com besta de garrucha; os que, mais modestos, chegam com besta de polé; os homens de pé, lanceiros; por último, os que apenas trazem escudo. Era mais uma tentativa de organizar uma força apeada do Reino.

Se Ceuta era prioridade nacional, apesar das considerações que o Infante D. Pedro tinha transmitido a seu irmão D. Duarte, na famosa Carta de Bruges (entre 1452 e 1456)[46], Tanger, mais a Ocidente e sobre a costa atlântica, parecia oferecer a posição ideal para o apoio mútuo daquela praça permanentemente ameaçada, assim como porta aberta para um comércio que se queria ter por caminho o Atlântico. O Infante D. Henrique e a sua Ordem de Cristo, apoiados por alguma nobreza, continuavam a insistir na ida sobre Marrocos, mas o discurso de D. João referia que essa ida era a “oposição entre o siso e cavalaria, ou entre a hipótese de perder o d’aquém para ganhar o d’além. A paz definitiva com Castela é conseguida em 1431 e o Rei morre em 1433.

Nas Cortes de Évora, em 1436, o novo Rei, D. Duarte (1433-1438), perante as insistências do irmão, coloca à discussão a continuação da guerra em Marrocos e os procuradores outorgaram o imposto de guerra «não sem grande murmuraçam e descontentamento do povo». Uma armada, com uma força embarcada onde predominavam besteiros a cavalo e a pé, com novidades como escadas e palanques para o assédio à praça, onde se poderiam posicionar besteiros e os novos espingardeiros, e algumas bombardas de ferro, parte para Tânger, sob o comando do Infante D. Henrique, em Agosto de 1437. O desastre foi total e o Infante D. Fernando fica como refém.

Até 1443 não se fala no Reino sobre Marrocos. Compreendia-se que a guerra a desenvolver precisava de meios de que não se dispunha, mas que, por meados dos anos Quatrocentos, a tecnologia trouxe novos desenvolvimentos. A evolução da arma de fogo, materializada na evolução da artilharia, nas suas armas portáteis que permitiam formações de espingardeiros, e na fundição do bronze que permitia resistências dos tubos lançadores, não conseguidas com os tubos de ferro cintados, iria trazer capacidades militares novas nos alcances a conseguir, nos efeitos de destruição desejados, atirando projécteis mais proporcionados em termos de peso/volume com projécteis de ferro e de chumbo, na segurança para os que se arriscavam a disparar e até nas melhores cadências (número de tiros por unidade de tempo). Fundidores na Flandres e na Alemanha iam conseguindo, lenta e laboriosamente, aperfeiçoar a nova arma.

O retomar da ofensiva sobre a parte Norte de Marrocos vai ser uma acção conduzida pela nova artilharia, e aquilo que alguns autores designam pelas Legiões de Santa Bárbara[47], e o seu principal impulsionador vai ser o Rei D. Afonso V, o Africano, que vai reinar quase meio século (1438-1481) e que vai consagrar quase dez anos do seu reinado (1463-1471), e depois da conquista de Alcácer Ceguer (1458), ao sonho de estender a presença lusa àquele território.

O reinado de D. Afonso V vai decorrer num ambiente internacional de lutas pela sucessão de Castela, de afirmação do poder real em França face ao ducado de Borgonha, e de avanços do Islão sobre o mundo europeu. A Guerra dos Cem Anos ia chegar ao fim, com Carlos VII, em França, recorrendo a novas tácticas militares, utilizando artilharia para apoio das gentes de ordenança em batalhas em campo aberto (Castillon, Jul. 1453)[48] que permitiram a expulsão dos ingleses do território francês da Normandia.

Parentescos da casa real portuguesa com o Reino de Aragão (D. Leonor de Aragão era mãe do jovem monarca), com o ducado de Borgonha (D. Isabel, tia do novo Rei, era casada com Filipe, duque de Borgonha) e perspectivas de uma nova cruzada, impulsionada pelo Papa, contra o poder infiel e a posição de Portugal em Marrocos são fortes condicionantes à acção diplomática externa.

O ambiente interno, condicionado pelas regências da Rainha D. Leonor e do Infante D. Pedro, na menoridade do Rei, até finais de 1445, vai dividir a nobreza portuguesa face ao reforço do poder real e modernização dos instrumentos da Coroa para esse reforço. O confronto de pontos de vista vai resultar no conflito violento de Alfarrobeira, às portas de Lisboa, a 19 de Maio de 1449, recontro em campo aberto, já com uso intenso de armas de fogo materializado nos espingardeiros, e onde o homem moderno que era o Infan-
te D. Pedro, pai da Rainha, morre e é abandonado no campo de batalha. Como diz Veríssimo Serrão, “a batalha corresponde ao triunfo da corrente senhorial sobre o princípio da centralização régia, à primazia do interesse privado sobre uma linha política que já anuncia a Idade Moderna”[49]. Ou como afirma Baquero Moreno, “O neo-senhorialismo, que alguns pretendem instaurar na centúria de quatrocentos, não se compadece com um regime político que se pretende absoluto e poderoso. O choque teria de ser inevitável, na medida em que o regente personifica este último objectivo. Afastado da cena política, ficava aberto o caminho para o enfraquecimento do poder real. A perseguição feita aos partidários do antigo regente, reverso da medalha em relação à atitude por este assumida, contra os que apoiaram a causa da rainha D. Leonor, significa a derrota em Alfarrobeira desse projecto de política centralizadora”[50].

As tentativas de centralização do poder real vão materializar-se, também, nas Ordenações Afonsinas (1444 a 1446), compilação de legislação vinda desde a fundação da nacionalidade, e onde, pela primeira vez, se editou o Regimento da Guerra (Livro 1º, Título LI), que incluía diversas disposições sobre a força militar do Reino, o seu Comando e funções da hierarquia. Estabelecia, também, a responsabilidade territorial, por terras, comarcas e províncias administrativas, sobre o quantitativo dos besteiros do conto a aprontar (o numeramento feito em 1422 quantificava 4469)[51]. O Regimento da Guerra no seu conceito e estrutura, ainda que reflectindo um pensamento próprio de centralização na Coroa do poder militar, traduz uma organização medieval da força muito centrada na cavalaria, que constituía o centro da guarda real, e com pouco espaço para as inovações que se processavam na infantaria e na artilharia.

Pelos contactos que se mantinham com a Flandres, é de admitir que em Portugal houvesse conhecimento dos desenvolvimentos que se iam processando nas armas de fogo e na artilharia. Em 1442, D. Afonso V concedia uma tença a Afonso Vasques, mestre de fazer salitre, e em 1446 concedia licença a um tal Baltazar para explorar salitre em todo o Reino[52]. A 13 de Abril de 1449, estabelece o regimento ao vedor-mor de artilharia, ao qual passa carta em Abril do ano seguinte, incumbindo-o de supervisionar a produção e a compra de canhões[53]. Há notícias de, nesse ano, o Rei ter comprado alguns canhões de bronze na Alemanha e ter promovido o funcionamento de uma fundição em Portugal, ao mesmo tempo que se constituía, como independente, uma pequena unidade de espingardeiros[54].

A tomada de Constantinopla pelos turcos, em 1453, pôs o mundo cristão de sobressalto, levando o Papa Calisto III, em 1455, a pensar numa cruzada a levar a cabo pela cristandade para libertar a cidade conquistada. D. Afonso V pensa participar na cruzada e ainda começa a reunir meios, mas, por diferendos entre outros reinos católicos e o interesse nacional centrado em Ceuta, desiste dessa participação.

Marrocos volta a ser preocupação da Coroa portuguesa e, em 1457, começa a desenhar-se a melhor estratégia militar para uma presença significativa no território. Tanger continuava a ser o centro de gravidade para a ocupação, mas a estratégia militar adoptada foi ir conquistando pequenas cidades que cercavam a praça e porto de mar, iniciando-se uma guerra de atrição, com a utilização dos novos canhões de bronze, operados por artilheiros alemães.

Em 1458, com o auxílio de uma bombarda que podia derrubar as muralhas, D. Afonso conquista a pequena, mas estrategicamente bem localizada, cidade de Alcácer Ceguer. Em 1471, após sete anos de ausência de África, continua o aperto do cerco com a tomada de Arzila, depois de dois dias de bombardeamento. Um par de pequenos canhões de bronze (vaivéns), disparando projécteis de ferro rompera as muralhas em diversos pontos, permitindo a entrada das tropas apeadas.

Mas a artilharia de bronze era cara (um canhão de bronze, de pequeno ou médio calibre, custava dez vezes mais do que um canhão de ferro) e as praças do Norte de África vão ter de continuar com os canhões de ferro, que se mostravam de emprego duvidoso para a defesa, já que o seu posicionamento nas fortalezas era tecnicamente difícil. Também não havia muita gente capaz de manejar esses instrumentos que matavam amigos e inimigos. Quando forças muçulmanas e castelhanas atacaram Ceuta por mar e por terra, em 1471, a defesa só pode contar com meia dúzia de canhões para a sua defesa, levando o comandante da praça a relatar que “dispunha de alguns canhões pequenos, já que nesses dias aqueles instrumentos mortais eram de pouco uso”. Mas em Alcácer Ceguer, que sofre cercos sucessivos de 40 e 53 dias, os defensores atribuem a sua resistência ao uso da artilharia que permitiu derrotar forças superiores à distância. Os canhões de Afonso V provaram o valor ofensivo da artilharia contra as muralhas defensivas, ainda que a conquista de Arzila tenha introduzido nos reinos de Marrocos novas forças contra o avanço cristão que iria mudar o tipo de guerra a desenvolver, com a artilharia a ter de melhorar as suas capacidades defensivas, conjugando-as com novo desenho das fortalezas, que se encontravam na artilharia de bronze. Mas a sua generalização vai ter de esperar até ao reinado de D. João II (1481-1495), quando o ouro da Mina trouxe novos meios financeiros ao Reino.

A sucessão de Castela leva o monarca português a outro tipo de guerra (1475-1479) e à necessidade de retirar meios de Marrocos, entre os quais canhões e dinheiro para apoio dos novos compromissos. Esta campanha, conduzida no espaço e no tempo fora do território nacional, levanta algumas questões à história militar e ao seu enquadramento na denominada Revolução Militar que prosseguia[55]. Damião de Góis, na sua crónica, refere números para a hoste real, saída em dois corpos, um de Arronches, com o Rei e outro, com fidalgos, das Beiras, por volta dos fins de Maio de 1475. As forças portuguesas (com alguns mercenários ou aventureiros, segundo o cronista), seriam constituídas por 5600 cavaleiros, 14.000 peões, bem armados, bem organizados, bem montados, com armas, tendas e artilharias necessárias, “e tudo em gram perfeiçam”.

A experiência militar portuguesa, em especial da sua nobreza, vinha do Norte de África, onde se combatia desde há sessenta anos. Depois de mediações, avanços, encontros, cercos e outras técnicas da guerra medieval, as hostes de Castela e de Portugal encontram-se para uma batalha inconclusiva perto de Toro (em Castro Queimado, outro nome para a batalha), perto da cidade de Zamora, começada quase ao por do sol, e com chuva, a 3 de Março de 1476. Da batalha também se recorda a valentia do Alferes-mór, Duarte de Almeida, na defesa do estandarte real.

O Príncipe Perfeito, D. João, que tomou parte na batalha, talvez tenha recolhido lições do sucedido, especialmente da utilização de espingardeiros, que tinham sido decisivos na batalha, quer nas forças de Castela quer na ala portuguesa comandada pelo Príncipe. Desde 1474 que seu Pai lhe tinha confiado a direcção dos assuntos do Atlântico, especialmente das questões da Guiné. Nesta posição assume protagonismo nas conversações do Tratado das Alcáçovas (4 de Setembro de 1479), confirmado em Toledo (6 de Março de 1480), que restabelecem a paz com Castela e regulam o comércio no Atlântico. No ano seguinte, em Maio, o Rei confirma no Príncipe a responsabilidade das explorações marítimas.

D. Afonso V morre a 28 de Agosto de 1481 e fica para a História como o último Rei cavaleiro, o que deve ser interpretado mais como a transição de uma época do que a pessoa real. D. João II é aclamado Rei, convocando cortes para Évora. Estas cortes, muito estudadas pela historiografia portuguesa[56], têm merecido diversos comentários interpretativos: qual o pensamento de D. João II para orientar o seu reinado e qual a Grande Estratégia a implementar?

Aumentar e reforçar o poder Real, melhorar as finanças do Reino pelo comércio com as suas conquistas e consolidar a segurança face a Castela, melhorando alianças através de uma acção diplomática imaginativa e perseverante, parecem, como hipótese, as grandes linhas orientadoras daquela Grande Estratégia.

Com a sua subida ao trono relançam-se as explorações marítimas visando melhorar o comércio, fonte de meios financeiros que eram escassos e chegar ao ouro da Mina, onde a fortaleza de S. Jorge (1482) fica a atestar a imaginação e vontade dos portugueses. Melhoram-se as naus e a sua capacidade de transporte de carga com as urcas (que chegam às 900 toneladas e transportam todos os materiais necessários à construção de fortalezas) e com as taforeas transportam-se cavalos (em 1487 e 1488, duas expedições que incluíam algumas taforeas transportam para Marrocos 150 cavaleiros de cada vez). Com os progressivos sucessos na exploração da costa africana concebe-se o Plano da Índia.

O reforço do poder real vai passar pelo sacrifício senhorial dos duques de Bragança e Viseu, mas as dificuldades em organizar uma força militar do Reino vão continuar, ainda que atenuadas por medidas pontuais.

Espingardeiros, artilharia e corpos permanentes de guarda pessoal merecem a atenção do novo Rei. Nomeia cerca de 400 espingardeiros, como uma aposta nesta força no início do reinado, de 1481 a 1484, em que outorga 387 cartas de nomeação. Dedica atenção aos bombardeiros, nomeando, em 1489, o capitão dos bombardeiros do mar e, em 1491, o condestável dos bombardeiros de Lisboa, actividade em que havia muitos estrangeiros, especialmente alemães[57] e flamengos. O interesse do Rei por esta nova arma leva-o a dirigir pessoalmente experiências no artilhamento de navios e técnicas de tiro, entre as quais o ricochete dos projécteis na água[58].

A constituição de uma força militar para sua guarda pessoal foi outra das medidas tomadas por D. João II. Ainda que a guarda pessoal não fosse uma inovação na tradição portuguesa, visto já existirem referências a essas guardas desde Aljubarrota, a nova organização dava-lhe carácter mais permanente, era paga em soldo e definia uma cadeia de comando institucionalizada. Como escreveu Augusto Cardoso Pinto[59], “Mandava a Ordenação pela qual a guarda foi criada, que no dia 1º de Julho do ano que fundamentadamente cremos fosse o de 1483 esta se apresentasse armada e cavalgada e pronta a entrar em serviço na terra em que o rei se achasse, o que devia ser comunicado a todos os indivíduos que faziam parte dela, verbalmente aos que se achassem na corte e por escrito aos que se encontrassem fora da mesma. Pelo Regimento foi adiada para o 1º de Setembro a data em que a guarda devia começar a exercer as suas funções. Na Ordenação estipulava-se que fossem sessenta as lanças que a haviam de formar, mas pelo Regimento este número foi alterado passando a ser de cem até duzentas lanças. O rei entregou o comando dessa guarda ao fidalgo Fernão Martins Mascarenhas, que já detinha o cargo de capitão de ginetes na sua casa real.

D. João II falece em Outubro de 1495 e o seu reinado revelou uma preocupação: o Reino[60]. Na sua estrutura de poderes, nas finanças, na justiça e na milícia. Sem dados novos na historiografia é difícil conhecer a forma como o Príncipe Perfeito teria avaliado a necessidade de uma força militar permanente para o Reino. As pazes obtidas com Castela, em Alcáçovas e Toledo, não faziam desaparecer a ameaça, agora que iriam estar em disputa novas terras e fontes de riqueza. Foi o primeiro monarca português a governar, simultaneamente, as Ordens de Avis e Santiago, mas morre sem uma modernização da sua força militar de acordo com os ventos que sopravam da Europa e que se ia afirmando como instrumento do estado moderno.

 

V

Quando D. Manuel, o duque de Beja, é aclamado rei em Alcácer do Sal, em Outubro de 1495, os equilíbrios estratégicos no Sudoeste europeu estavam em mudança devido, especialmente, à formação das monarquias francesa e espanhola. A derrota da Borgonha, em 1477, e a anexação definitiva da Bretanha, em 1491, pela França, e a união das coroas de Castela e de Aragão, em 1479, seguida da conquista de Granada, em 1492, são marcos fundamentais deste processo, a que se deve acrescentar a incorporação de Navarra na coroa castelhana, em 1513. As duas novas grandes potências do Ocidente europeu iniciaram então uma longa rivalidade, que teria a sua primeira grande manifestação nas guerras de Itália, iniciadas com a invasão da península transalpina por Carlos VIII, precisamente em 1495. Fernando de Aragão desenvolvia uma ofensiva diplomática, tentando uma Liga Sagrada, envolvendo o Papa, Inglaterra, Espanha e o Sacro Império para se opor a essa invasão. O Reino de Portugal iniciava o seu século de ouro, estendendo o Império e aumentando os recursos financeiros da coroa. Castela ia estar paralisada nas suas decisões e sujeita a convulsões internas. Isabel, a Católica, vai morrer em 1505 e Fernando de Aragão em 1516. As lutas da sucessão dinástica naqueles reinos, ainda artificialmente unidos, vão proporcionar liberdade de acção para o monarca português prosseguir os seus desígnios.

Este ambiente internacional parece ter despertado o interesse do novo monarca pelos assuntos militares e a necessidade de olhar o Norte de África e as suas praças com maior atenção, tendo providenciado, estando ainda em Setúbal, o reforço das suas guarnições, acrescentando-lhes soldos, rações e mantimentos. Em cortes convocadas para Lisboa, em 1498, reformula algumas ordenações do Reino sobre a milícia. A pedido dos povos, queixosos dos excessos cometidos, acabou com os ofícios de anadeis-móres e coudeis-móres, “deixando somente os anadeis – mores dos besteiros do monte, a que chamam de fraldilha e dos espingardeiros, por serem necessários, assim para o serviço do reino, como dos lugares de África e socorro deles…”[61]. Em 1501, decidindo passar ao norte de África, ordena uma avaliação das forças do reino, tendo decidido constituir um contingente de “vinte e seis mil homens que lhe bastavam para a sua empresa. Deles eram os seis mil de cavalo e oitocentos acobertados e os demais de bésteiros, espingardeiros, de pé e de cavalo, e peões lanceiros, a fora servidores e gente do mar…”[62]. Parte desta força, em trinta naus, foi depois aplicada em auxílio da Senhoria de Veneza em luta contra turcos no Mediterrâneo.

As campanhas de Itália, movidas pelo rei de França e que vão introduzir modificações profundas na arte da guerra, são contrapostas pelos reis católicos de Espanha e por aquele que passou à história como El Gran Capitán, D. Gonzalo de Córdoba (n. 1453)[63]. Foi ele que introduziu na batalha os celebrados Tercios, com uma hierarquia de comando que começava no coronel e descia até ao cabo de esquadra, e que formava em batalha em quadrados de homens armados de piques a que se foram misturando arcabuzeiros para a sua protecção e que formavam em mangas. Esta nova infantaria iria ultrapassar em valor combativo a infantaria suíça e mesmo a dos lansquenetes recrutados em terras germânicas e iria impor-se nos campos de batalha da Europa e do Novo Mundo por mais de um século. Serviu com Gonçalo de Córdoba o português Cristóvão Leitão[64], que se encontra por terras de Nápoles, em 1506, no contingente enviado pelos reis católicos em socorro de Pisa ameaçada por florentinos. Regressado ao Reino, em finais de 1506 ou princípio de 1507, é nomeado capitão dos alabardeiros do Rei e vai ter acção importante nas tentativas de modernização da força militar portuguesa, já que a nobreza e os fidalgos acostumados a fazer a guerra à árabe, por cavalgadas, emboscadas e razias em sortidas em terras de Marrocos, cultivavam as proezas pessoais e resistiam às mudanças.

A decisão de modernizar a força militar do Reino pode situar-se em 1505, ano em que D. Manuel I fixa a sua política geral, tentando conciliar a defesa de um Império em expansão, que aumentava o comércio mas que tinha de ser protegido, com uma situação demográfica do Reino que evidenciava falta de homens. Nesse ano organiza-se a primeira grande armada para a Índia. Com os títulos de capitão-mor e de governador confia o seu comando a um fidalgo, filho do conde de Abrantes, D. Francisco de Almeida. A sua missão consistia em edificar fortalezas que defendessem as feitorias já fundadas, Cananor, Cochim e Coulão. Devia apropriar-se da costa oriental da África e aí instalar novas feitorias em Sofala e Quiloa, a fim de impedir o aprovisionamento dos mouros em ouro. Aos olhos de Francisco de Almeida, o domínio português no Indico passava pelo poder naval, convencendo o Rei a manter ali em permanência duas armadas. Rearmadas todos os anos, uma velaria pela navegação de Cambaia até ao Cabo de Guardafui e a outra navegaria de Cambaia até ao Cabo Camorim. As portas do Mar Vermelho ficariam assim fechadas aos navios árabes. Para assegurar este «império da pimenta», D. Francisco de Almeida, feito vice-rei, ficou com algumas tropas enquanto uma parte da armada regressava a Lisboa carregada de especiarias.

Se essa concepção protegia o comércio, não defendia o Império. Afonso de Albuquerque, antigo estribeiro-mor de D. João II, que em 1503 já estivera na Índia, era o escolhido pelo Rei para comandar a armada de 1506 àquela parte do Império. A sua concepção para a defesa dos interesses de Portugal era oposta à de D. Francisco. Advogava a construção de fortalezas em pontos estratégicos da navegação, guarnecidas permanentemente com militares profissionais, povoados por europeus e locais, que fomentariam a presença, as alianças, o equilíbrio da força com a diplomacia na defesa daqueles interesses.

Como encontrar meios humanos que faltavam à empresa? Em Castela, em 1505, tinha sido criada, pelo cardeal Cisneros, na regência do reino e para fazer face a distúrbios internos, a ordenanza que reside en la corte [65] como forma de obter recursos humanos para uma força militar real e não sujeita às vontades dos senhores. D. Manuel decide criar a ordenança do Reino, ou soyça (de suíça), como forma de satisfazer as necessidades crescentes da defesa do Império e de equilíbrio de forças internas no Reino, a que não terá sido estranho o grande Albuquerque.

A 5 de Fevereiro de 1505, o monarca, em Almeirim (mais uma vez a peste grassava em Lisboa), dá a conhecer a sua intenção por um alvará, de que transcrevemos partes[66]:

 

Nós el Rei fazemos saber a quantos este nosso alvará virem, que nós tínhamos dada e encarregada a D. Nuno Manuel, do nosso Concelho e nosso Almotacel mor[67], a capitania das cem lanças que ordenámos em nossa corte; e agora, por alguns respeitos que nos moveram, conveio passar a dita gente em certa maneira a D. João Mascarenhas, nosso Capitão dos ginetes, segundo que agora atem, e como por nosso Regimento e alvará que dello lhe passámos é declarado; e por satisfazermos ao dito D. Nuno, e folgarmos de lhe fazer mercê nos prouve outorgar a fazer mercê das cousas abaixo declaradas.

Item, nos apraz de lhe fazer mercê da Capitania geral de toda a gente da ordenança que ora é feita, assim em nossa corte como polo reino, e de toda aquela que mais ao diante fizermos, assim em nossa corte como polo reino e em todos nossos senhorios, pera com elle nos servir toda a dita gente, indo com nossa pessoa, ou sem ella, quando por nosso serviço o houvermos; e não indo nós, ou não enviando com ella ou parte della o dito D. Nuno, elle dará della aquela parte que ordenamos necessário for pera as cousas em que a mandarmos servir.

Item, o dito D. Nuno tomará a gente de ordenança que andar em nossa corte e espedirá aquelles que lhe bem parecer, se não forem taes pessoas quaes convem pera nos servirem, ou se fizerem cousa por que o mereçam; e no receber e espedir da dita gente, e no modo da paga della, guardará nosso Regimento que sobrello lhe daremos.

Item, lhe damos na dita Capitania as pessoas dos capitães, e as outras pessoas que são vindas de Itália, e quaesque outras desta calidade, que ao diante mais recebermos, que seja gente deste mester, e terá a capitania delles; e com elle servirão com toda a outra mais gente da dita ordenança…”

 

A 20 de Maio do ano de 1508, também de Almeirim, o Rei estabelece o Regimento da gente da Ordenança, de que transcrevemos alguns passos[68]:

 

…E ordenamos que cada um daquelles que nos servirem, e entrarem no número da dita gente da ordenança, que ordenamos haver e nos servir em nossa corte, haja por mez de soldo dous cruzados, e em fim de cada um mez lhe será pago o dito soldo pólo ponto do seu serviço e mandados do dito D. Nuno, como dito é.

A gente da dita ordenança, que assi em nossa corte servir e andar, serão obrigados ter as armas seguintes. S. u m peito com sua espaldeira, armadura da cabeça. S. cellada e braceiras, alabarda.

E lhe damos ao dito D. Nuno, nosso capitão geral da dita gente, na dita sua capitania, as pessoas dos capitães della, que temos filhados, e assim Villalobos e Diogo Alvares e o Soares e Moralez e Ruy Gonçalves e quaesquer outras pessoas desta calidade que temos recebidas…”

O contido nestes dois documentos revela-nos a intenção do Rei constituir uma força permanente de infantaria, com recrutamento, obrigações, armamento, equipamento, comando e hierarquia, disciplina e soldo que constituíam os primeiros elementos estruturantes de uma força militar institucionalizada. O monarca recorre a homens de que pouco se sabe, mas que tinham praticado em Itália, ao serviço dos reis católicos, as novas artes da guerra, entre os quais se distinguia Cristóvão Leitão[69].

A primeira notícia que surge sobre a aplicação desta força militar da Ordenança é relatada por Damião de Góis na sua Crónica e o campo de actuação é mais uma vez Marrocos. No início do século, o domínio português em Marrocos limitava-se à posse das praças setentrionais – Ceuta, Alcácer-Ceguer, Tânger, Arzila –, acrescida de algumas feitorias no litoral de sudoeste, como a de Safim, que já vinha do tempo de D. Afonso V, e as de Azamor e de Meça, fundadas, aquela, por D. João II, em 1486, e esta por D. Manuel, em 1497. Na intenção de D. Manuel I “passar a África”, tentando proteger as posições portuguesas crescentemente ameaçadas pelos reinos daquela região e também por Castela, o objectivo estratégico decidido foi conquistar posições litorais mais para Sul. O comércio tinha de ser protegido com a presença militar efectiva e um conjunto de fortalezas que iam sendo levantadas, como Santa Cruz do Cabo Gué, Castelo Real e Aguz. Em 1507 organiza-se uma expedição de reconhecimento à barra de Azamor da Mamora, localizada na foz do oued Morbeia em terras da Enxovia que do médio Atlas descem ao litoral atlântico. Comandou a expedição, composta por três caravelas e um navio de remo, D. João de Meneses, do Conselho do Rei, conde de Tarouca e que depois foi mordomo-mor. Nela se incluíam alguns cavaleiros de Lagos e de Tavira e Duarte de Armas, desenhador, que depois desenhou as fortalezas do Reino, encarregado de desenhar a configuração da barra e do terreno circundante para se planearem operações futuras. De regresso ao Reino, D. João deu parte ao monarca do que tinha reconhecido, pelo que foi decidido enviar uma armada a conquistar aquela posição no ano de 1508.

Partiu a armada de Lisboa a 26 de Julho de 1508, comandada de novo por D. João de Meneses. Nela seguiam “quatrocentas lanças, em que entravam alguns acobertados e dois mil espingardeiros e besteiros e outros soldados, todos de ordenança, afora bombardeiros e gente do mar… E por capitães de gente de pe, que foi a primeira vez que viu em Portugal de ordenança, Cristóvão Leitão e Gaspar Vaz, e assim outros fidalgos e cavaleiros que iam espalhados pela armada…”[70]. A expedição não teve o sucesso esperado, tendo D. João de Meneses retirado e regressado depois a procurar o apoio de praças portuguesas, especialmente a de Arzila, onde, numa acção de retirada a força da ordenança comandada por Cristóvão Leitão, se distingue, feito que será lembrado no brasão de armas que o Rei lhe vai conceder[71].

Até à sua morte (1521), D. Manuel I não conseguiu impor no Reino a sua intenção de uma força militar permanente, acabando mesmo por desmembrar a sua companhia permanente de cem alabardeiros[72]. Tentar encontrar razões para este falhanço é percorrer um caminho de diferendos que dominaram a corte e a sociedade portuguesas nas primeiras décadas de Quinhentos.

O primeiro desses diferendos relacionava-se com o Conceito Estratégico da expansão. O Rei tentava conciliar o seu espírito de cruzada contra o infiel, cujo centro de gravidade se situava em Marrocos, com a sua ideia de Império e de riqueza, o que passava pelo Oriente e de alguma forma pelo domínio dos mares. A nobreza estava dividida nestas concepções, advogando alguns notáveis do Reino que o esforço deveria ser feito em Marrocos e África, e menos na Índia, onde a política de fortalezas não conseguia assegurar o domínio, a que se juntavam diferendos com Castela a propósito das fronteiras do Tratado de Tordesilhas, que levantavam questões do posicionamento de Malaca, e com mais consistência das Molucas, relativamente àquelas fronteiras.

Um segundo conjunto de diferendos relacionava-se com a concepção e organização da força militar do Reino para a conquista e defesa das posições ocupadas, que não podia passar só pela nobreza e as Ordens Militares. Marrocos, agora com o objectivo estratégico deslocado mais para Sul, continuava a merecer prioridade no pensamento real e Azamor a praça desejada, onde a presença lusa se limitava a uma feitoria autorizada por locais e o pagamento do tributo anual ao Rei de Portugal (dez mil sáveis escalados) estava a faltar. D. Manuel, depois dos falhanços havidos em 1507 e em 1508, resolve mobilizar o Reino para a tarefa, prometendo ao Papa Leão X que essa conquista abriria as portas para todo o reino de Fez e de Marrocos.

O rei encarrega o seu sobrinho, D. Jaime, o 4º duque de Bragança, necessitado de limpar alguma mácula deixada pelo recente assassínio de sua esposa por suas mãos (a seus olhos pecando por infidelidade) e de empreender missão de vulto, de organizar uma expedição para a empresa, em 1513. Alguns autores consideram que a força militar organizada para o efeito representa o primeiro Exército Português em termos modernos[73]. Terá sido de tal novidade no seu tempo, que Damião de Góis o descreve em pormenor[74] e as pinturas na escadaria do Paço Ducal de Vila Viçosa, não coevas, mas interpretadas pelo Professor Damião Peres[75], o tentam representar como feito excepcional daquela ilustre Casa.

Góis relata “que el Rei no ano de MVXIII mandala tomar (Azamor), pera o qual negocio, elegeu dom Jaime seu sobrinho Duque de Bragança, pela muita confiança que dele tinha e experiencia de sua prudência, e saber, ordenando-lhe para isso uma grossa armada, que se fez em Lisboa, em que haveria entre naus, navios, caravelas, taforeas e barcaças, mais de quatrocentas velas e afora a gente do mar dezoito mil homens de pe, de que os quinze mil iam a soldo del Rei e os três eram do Duque de Bragança que fez vir de suas terras, onde antes que viessem lhes mandou ensinar o modo de ordenança, por Gaspar Vaz, Pero de Moraes e João Rodrigues que ia por capitão da guarda do mesmo Duque, e depois de eles serem em Lisboa tomou o Duque a custa del Rei de gente que andava solta mil homens que deu a capitania a Cristovão Leitão, e os fez todos quatro coronéis de mil homens cada um, aos quaes o Duque mandou dar a sua custa calças, gibões, e gorras de pano branco, com cruzes vermelhas nos peitos e nas costas e aos coronéis, alferes, cabos de esquadra, sargentos do campo, deu vestidos de seda, os quais capitães vinham per giros, cada dia com seus mil homens, dar mostra a el Rei, no terreiro dos paços da ribeira, onde faziam seus caracoes, cunhas, quadras e coroas, em tam boa ordem como se o usaram por todo o discurso de suas vidas…”[76].

Cadeia de comando e hierarquia, uniforme, disciplina, ordem unida e soldo fixo, eram de facto elementos estruturantes de uma força que se ia constituindo em exército. Uma outra novidade desta expedição foi a utilização de artilharia em rodado, destinada a apoiar a força desembarcada. O berço, canhão de bronze versátil, de pequeno calibre (5cm), peso reduzido (menos de 200Kg), tubo alongado (50 calibres) e carregamento por câmara, permitia lançar projécteis com o peso de uma libra a cerca de 600 metros, com elevada cadência de tiro, tornando-o como arma de fogo apta a funções defensivas ou ofensivas.

Em Marrocos, seguindo-se à fase de conquista, surgia agora uma fase defensiva, onde as arremetidas contra as vizinhanças das fortalezas já não forneciam a segurança desejada. Eram necessárias guarnições permanentes de soldados profissionais (os fronteiros, que em Azamor nunca excederam os 403 efectivos e em Mazagão, começada a construir, em 1517, por D. Manuel, onde a guarnição oscilou entre os 120 e os 250)[77]. A artilharia, com versatilidade para a defesa e o ataque, e uma grande variedade na sua concepção, o que se ia conseguindo com os diversos tipos de bocas-de-fogo proporcionados pela tecnologia do bronze, e que em grande parte tinham de ser procurados no exterior e guarnecidos por estrangeiros, conjugada com a arte da arquitectura das fortalezas, estabelecia a diferença entre o permanecer ou o abandonar.

No Oriente, Afonso de Albuquerque era um defensor da força de combate próximo, a ordenança, como força capaz de se opor às crescentes resistências dos senhores locais – com acesso às técnicas de artilharia introduzidas, talvez, por dois fundidores italianos que se tinham infiltrado e desertado de navios portugueses –, e faz tudo para a promover. Gaspar Correia[78], que foi seu secretário e assistiu a grande parte da sua acção no Indico, mostra-nos o que esta reforma tinha de revolucionário[79]: ”Eram os alicerces de um exército ultramarino permanente dependente directamente do governador, inclusive do ponto de vista financeiro, e não como a nobreza emigrada na Índia pretendia, dependente dela – com os seus apaniguados – e dos dinheiros que ela com essa justificação recebesse da coroa; daí a sua reacção exacerbada as tropas de ordenança irão estar presentes em 1510, na entrada de Goa[80], em 1511 na tomada de Malaca; ainda no mesmo ano, na execução de notáveis locais, para prevenir contra qualquer levantamento; em Goa, em 1512, no assalto a Benastarim”.

Existem dúvidas sobre o emprego eficiente da gente das ordenanças nas campanhas do Império. Na Índia, a soiça, acabada de constituir, foi colocada em Benastrim, após a conquista de Goa, em terreno que não era o mais propício e no ataque a Aden, onde os piqueiros foram utilizados no assalto às muralhas, as pedras lançadas pelos defensores acabaram por desbaratá-la[81]. O relato das acções militares em Marrocos também refere o seu mau emprego.

Estas dúvidas eram secundadas por outros falhanços militares na Índia e em Marrocos, onde, a uma onda de sucessos, se seguiram os desastres de Mamora (10 de Agosto de 1515) ou a derrota e morte de Nuno Fernandes de Ataíde, o Terribil capitão de Safim, de quem os seus contemporâneos diziam “nunca está quedo[82] (15 de Maio de 1516). Cristóvão Leitão, o grande defensor da ordenança, andava por Marrocos, tendo servido em Safim às ordens de Fernandes de Ataíde e tomara parte na campanha da Mamora.

Dúvidas e insucessos alimentavam correntes de pensamento encorajadas pela nobreza, onde sobressaía D. Vasco da Gama, sobre a utilidade da força terrestre face ao valor das fortalezas e de navios armados. Em Setembro de 1515, Francisco I de França, que tinha invadido a Itália, derrota a infantaria suíça na batalha de Marignano (a cerca de 16 km de Milão), o que vem dar peso aos descrentes da soiça. Quando Lopo Soares de Albergaria sucede no governo da Índia a Afonso de Albuquerque, por sua morte, em Outubro de 1515, extingue de imediato as ordenanças[83]. João Fidalgo, um dos homens da ordenança na Índia, sentindo que os ventos sopravam noutro sentido, abandonou o serviço da coroa para piratear nas rotas do comércio.

Finalmente, o Rei tinha de enfrentar as resistências da nobreza e dos apurados para servirem na ordenança. A velha nobreza de espada não via com bons olhos esta nova infantaria de que não dominava as técnicas e que estava a favorecer o aparecimento de uma nova classe dirigente, de origem plebeia, que contrariava o seu sentido de serviço real. A população resistia ao apuramento para as ordenanças, que a impedia de «gagnear sua vyda e fazer seu proveyto», como diziam alguns dos apurados nas terras da Abadia de Alcobaça, indigitados para uma expedição a Marrocos[84].

Nos últimos anos do seu reinado, o Venturoso teve de continuar a defender o Império com as três inovações que os portugueses introduziram na Revolução Militar Quinhentista: caravelas, fortalezas e artilharia. Na Índia, os navios armados (mesmo os de comércio eram encorajados a ter artilharia) e as fortalezas iam garantindo a presença e defendendo o comércio. Em Marrocos, o tipo de guerra desenvolvido constituía um campo experimental para a artilharia defensiva. O tiro dos berços evoluiu, sucessivamente, para a utilização do projéctil anti-pessoal (pequenos fragmentos metálicos contidos numa envolvente de cabedal) para se opor à artilharia de maiores calibres para destruição de muralhas e a introdução da granada com espoleta retardada, consistindo numa esfera com pólvora e morrão que só explodia no final da trajectória, afirmando, alguns autores, que foram os portugueses a utilizarem, pela primeira vez, estas inovações na sua guerra em Marrocos. A importância da arma de fogo na guerra dos portugueses no Norte de África pode avaliar-se pelo levantamento feito recentemente por investigadores em Marrocos. Durante o reinado de D. Manuel I (1495-1521), quando a actividade militar esteve no máximo da sua intensidade, teriam sido enviados para a região 2017 canhões de todos os tipos e 675 mosquetes de serpentina. Por extrapolação, admite-se que durante aqueles vinte e seis anos teriam sido utilizados nas operações mais de 3000 canhões e cerca de 1000 mosquetes[85].

A preparação do Reino para a guerra mereceu as atenções de D. Manuel. Mandou construir na ribeira de Barcarena uma fábrica de armas, para onde vieram mestres da Biscaia, e ainda uma fábrica de pólvora, além da que já havia na ribeira de Alcântara. Começou também as tercenas da Porta da Cruz e de Cata-que-farás, em Lisboa, para nelas se fundir e guardar artilharia, as quais se foram continuando no reinado de D. João III. Havia outras oficinas de fundição pertencentes a particulares, como eram as do Postigo do Arcebispo, as de Santa Clara e as das Campainhas[86].

 

VI

No ano em que D. João III é aclamado Rei de Portugal (1521, 19 de Dezembro), já Carlos de Gand reinava em Espanha como Carlos I, desde 1517, e tinha sido nomeado Imperador do Sacro Império Romano (ainda que tenha dispendido largas somas para assegurar o título) como Carlos V. Impressionado com as campanhas de Francisco I de França, em Itália, onde se iam experimentando inovações militares, nesse ano, Nicolau Maquiavel publica, em Florença, a obra A arte da guerra[87], onde preconiza a transformação da cavalaria medieval e a adopção da ordenança.

Nos quase sessenta anos que vão decorrer até à inclusão do Reino na coroa de Espanha (1580), o tempo vai correr a ritmo de modernidade, com pressões externas mais intensas no Império, em Marrocos, no Oriente e no Brasil – que começara a ser colonizado (1530) –, e a que a população, a vontade de defender e as finanças não conseguiam dar resposta. Pressões que cresciam com o avanço turco no Mediterrâneo e a ameaça à cristandade, pressões que vinham também de Espanha, com a influência dos Habsburgo sobre a monarquia dos reinos vizinhos, as tentações de união do espaço peninsular e o problema das Molucas que continuava por resolver e em crescente diferendo. A essas pressões maiores juntavam-se preocupações de segurança das costas e navegação, onde o novo estilo de pirataria de berberes, franceses de La Rochelle e ingleses na costa da Guiné levantavam de novo o problema de como defender.

Internamente, o curto tempo vai cobrir três reinados (D. João III, 1521-1557; D. Sebastião, 1568-1578; Cardeal-Rei D. Henrique, 1578-1580) e duas regências (Catarina de Áustria, viúva de D. João III, 1557-1562 e o cardeal D. Henrique, 1562-1568, quando D. Sebastião completa catorze anos).

Ao mesmo tempo que D. João tentava prosseguir a modernização do Estado, com a criação de novos tribunais (Mesa da Consciência e Ordens, Santo Ofício da Inquisição) e o numeramento da população do Reino (1527-1532), a organização da resposta intelectual ao humanismo renascentista, onde o humanismo português fomentado por homens da sua geração (André de Resende, D. João de Castro, Garcia de Orta, Pedro Nunes, Damião de Góis) tomava particularidades originadas pelos descobrimentos, materializava-se, entre outras iniciativas, com a transferência da Universidade de Lisboa para Coimbra em 1537 ou na criação do Colégio das Artes nesta cidade em 1547.

A sociedade conservou a estrutura herdada da época medieval: distinção jurídica em três ordens, persistência de uma organização senhorial e poder da Igreja. A população foi atingida de forma desigual: os frutos do império recaíram sobretudo na Coroa e nos poderosos da nobreza e do clero. Essas riquezas deixaram à margem a totalidade dos portugueses, incluindo aquilo a que poderíamos chamar de burguesia. Outras sombras escureceram o século de ouro português: a introdução da escravatura em Portugal, a conversão forçada de judeus e a introdução da Inquisição. A sociedade sofreu então uma fractura de consequências incalculáveis: a partir deste momento duas espécies de portugueses passaram a coabitar e a afrontar-se, os cristãos-velhos e os cristãos-novos – os judeus conversos[88]. A estas fracturas juntavam-se divergências ideológicas com bases religiosas. Uma corrente de erasmismo varria a Península e tinha atingido Portugal.

Estavam a tomar alicerces causas para instabilidade social, a que não eram estranhas também fracas colheitas, dificuldades financeiras e pandemias como a peste grande e os ventos de Espanha, onde revoltas como a dos comuneiros, em Castela, ou das germanías, em Aragão, chegavam ao Reino. Juan de Zuñiga, chegado a Lisboa na primavera de 1523, como embaixador de Carlos V, ao mesmo tempo que transmitia ao Imperador «que nunca tinha visto descontentamento tão generalizado», ia polarizando os descontentamentos de antigos servidores que tinham preconizado uma reestruturação militar do Reino (Cristóvão Leitão, Duarte Pacheco Pereira, Diogo Lopes de Sequeira) e que estavam seduzidos pelos sucessos militares de Espanha.

Revoltas, urbanas ou senhoriais, espalhavam-se de Norte a Sul, pondo em causa a autoridade real. Os corsários franceses passeavam-se pela costa e chegavam ao estuário do Tejo, as praças em Marrocos estavam instáveis e mesmo o aviso de um ataque mouro a Arzila, em Setembro de 1523, não mobilizou fidalgos e outra gente do Reino que tinham perdido a vontade de defender.

Às pressões de Espanha sobre o Oriente respondia Portugal com tentativas para ocupar o Brasil, arrendando terras a cristãos-novos (1502), criando as capitanias do mar (1516), percorrendo as costas com pequenas armadas (Cristóvão Jaques, 1521-1523) ou com acções mais preparadas, tentando descobrir as riquezas das terras, como foi a de Martim Afonso de Sousa (1530).

Em Junho de 1524, a ruptura das conversações, em Elvas, sobre a questão das Molucas, fez nascer um forte sentimento anti-castelhano liderado pelo velho marquês de Vila Real, que evidenciou a falta de preparação militar do Reino. Os arsenais, com excepção de Lisboa, estavam vazios; alabardeiros e espingardeiros não tinham armas e não tinham dinheiro para as comprar; faltava a pólvora; em Lamego, por exemplo, onde deveria haver 100 a 200 espingardeiros, havia quatro ou cinco[89]. Cristóvão Leitão comunicava ao Rei: «Actualmente, em todo o vosso Reino não há pessoa de quem possais servir-vos… mais do que nunca, a necessidade de casamentos castelhanos vai sendo a escolha dos políticos, enquanto que o grupo de oficiais de infantaria se propõe criar o aparelho militar já adoptado pelo resto da cristandade, ensinando aos portugueses a marchar a passo, pique na mão»[90].

Em 1525, a 24 de Fevereiro, Francisco I de França é derrotado na batalha de Pavia, feito prisioneiro pela infantaria plebeia de Carlos V e trazido para Espanha quando comandava uma carga da sua cavalaria fidalga, facto que teve eco em todo o mundo cristão. Iria iniciar-se um período de guerras na Europa, movida pelas ambições de Carlos V e Francisco I, que teria repercussões em todo o mundo cristão que também se fragmentava pela questão religiosa.

Neste ambiente internacional e interno de incerteza, D. João convoca cortes para Tomar (que não reuniam desde 1502), que acabam por reunir-se em Torres Novas, entre Setembro e Outubro de 1525. Entre outras medidas para solucionar a crise financeira da Coroa, considera esta oportunidade para recuperar o sistema de defesa concelhia, cujos acontiados e besteiros do conto tinham sido extintos por seu pai. Cristóvão Leitão, a quem o Rei tinha feito fidalgo de sua casa e conferido carta de brasão (datada de 21 de Abril de 1524, mas redigida de novo em 1528)[91], considerava-se um súbdito mal tratado e polarizava o descontentamento de um conjunto de insatisfeitos por não verem os seus serviços militares recompensados com mercês reais.

Os primeiros sinais de que o Rei tencionava alterar alguma coisa surgem com a reabilitação de Cristóvão Leitão, a quem foi concedida uma mercê, datada de Évora, em 3 de Abril de 1525, que lhe concedia a capitania das Maldivas (de que nunca tomou posse) e da nomeação de Bartolomeu Ferraz de Andrade, cavaleiro da casa do Rei e da sua guarda pessoal como «um dos coronéis das gentes de pé de ordenança a fazer para meu serviço nos meus reinos e senhorios, ao qual quando convier lhe atribuirei o número dos que terá a seu cargo»[92]. D. João notifica «a todos os capitães-majores dos meus exércitos que o deixem usar o cargo de coronel e capitão das gentes de pé»[93]. Terá sob o seu cargo de capitania os capitães de ordenança que lhe deverão obediência.

Cristóvão Leitão apresenta à decisão real um projecto para o ensino da ordenança (Apontamentos que deu Cristóvão Leitão para a gente de ordenança)[94]. Esse ensino (instrução) será ministrado todos os domingos e dias-santos do ano. Nenhum privilégio permitirá dispensas, as pessoas de qualidade terão de participar, assim como alabardeiros e espingardeiros, que com isso se aperfeiçoarão no serviço real. Até a meia légua de distância os habitantes virão à cidade ou vila, sede da capitania, para a instrução. Anualmente, o coronel do Rei, ou pessoa por si nomeada, efectuará uma inspecção (correição) para transmitir ao rei aqueles que merecem mercês, graças ou liberdades.

Todo o processo vai levar tempo. A 15 de Fevereiro de 1526, D. João III escreve à câmara do Porto anunciando a chegada do primeiro capitão de ordenanças (Cristóvão Leitão) e dos vários enviados para os territórios da coroa[95], cargos que vão sendo preenchidos, de 1526 a 1530.

A organização da ordenança na cidade do Porto, sobre a qual se dispõe da melhor documentação, vai-se fazendo com altos e baixos, assim como em outras partes do Reino. O desinteresse dos notáveis conjuga-se com a desconfiança dos populares, resultando no insucesso das ordenanças e da organização das milícias populares enquadradas por esses notáveis. Mantinha-se a convicção de que a guerra se fazia sobretudo a cavalo, mas de qualquer forma «em boa companhia», e a noção de enquadramento e comando, prenúncio da futura instituição militar, não conseguiu assim vencer entre nós e, mais do que a não-aceitação da nova técnica de combate, é esta incapacidade de liderança das elites, que vai resultar na nossa decadência militar[96].

O ensino da ordenança vai enfrentando resistências de lideranças e populares até cerca de 1530. Cristóvão Leitão, com algum esforço, consegue autorização para se juntar às tropas de Carlos V em Itália, na primavera de 1529, onde vai movendo influências para conseguir o que o Rei de Portugal lhe negava: privilégios e rendas em terras do Douro. De Itália, atento às inovações militares, ainda recomenda para o Reino que o tempo dos piques tinha passado à história e que a infantaria deveria adoptar o arcabuz como arma individual, já que as inovações tecnológicas iam eliminando os inconvenientes tácticos da velha espingarda. Regressado a Portugal, em 1531, é detido e posto a ferros no castelo de Guimarães. Sem conseguir o desejo de construir a sua capela em Santa Maria de Pedrógão Grande, morre no Porto em 1538. Fica a memória de ter teimado em modernizar a força militar em Portugal.

Este falhanço na preparação militar do Reino (em gente disponível e instruída, em comando, em armamento e transportes) é sentido nas crescentes pressões sobre as possessões no Norte de África e da Índia a que se alia uma crise financeira. O Tratado de Saragoça, de Abril de 1569, regulando o diferendo sobre as Molucas, custou a Portugal 350.000 ducados, que se juntavam aos 900.000 dobrões de Castela pagos pelo casamento da Princesa Dona Isabel, irmã de D. João III, com o Imperador Carlos V; o problema do comércio da Índia tenta ser regulado com a nomeação de um administrador qualificado, Nuno da Cunha; a questão de Marrocos fica em suspenso. Todo este conjunto dá o golpe de misericórdia ao ensino da ordenança, ainda que o infante D. Luís, irmão do Rei, lhe continue a dar atenção e algumas medidas parcelares, como a regulamentação da criação de cavalos no Reino (1549), já que os nobres continuavam a andar em muares (uma moda da Península dada a escassez de montadas nobres), a compra de armamento para os arsenais reais e novos regimentos de anadéis-móres procurem alterar o caminho que vinha a ser seguido[97].

Em Marrocos, foram sucessivamente abandonadas as posições de Santa Cruz do Cabo do Gué, Azamor e Safim (1541) e Arzila e Alcácer Ceguer (1550). Mazagão era agora objectivo desejado dos reinos e xerifados locais e a guerra desenvolvida pelos defensores nos vários cercos sofridos, utilizando grande variedade de armamentos, mas onde sobressaía a artilharia de bronze, mostra a fragilidade em efectivos. As cartas dos governadores para os reinos queixavam-se dessas faltas mas, pelos relatos estudados, é de crer que os efectivos de infantaria estivessem organizados em ordenança, com a sua cadeia de comando funcionando por companhias, com os seus capitães e alferes, uniformes e bandeiras[98]. Diogo do Couto (1542-1616), hostil a África, no seu Soldado Prático, continuava a defender a prioridade da Índia, onde os violentos cercos a Diu (1538 e 1546) põem em causa a soberania portuguesa.

Tentando seguir o que se escrevia por outras partes da Europa, especialmente em Itália e algumas terras da Alemanha, por inspiração da obra de Maquiavel, em Portugal começam a aparecer algumas obras impressas sobre a arte da guerra. O Regimento da Guerra é uma dessas obras, ainda que envolvida por algumas incertezas na autoria e data de publicação, mas que um estudo do Coronel Gastão de Melo Matos procura esclarecer, situando a sua publicação entre 1540 e 1560 e atribuindo a sua autoria a Martim Afonso de Melo, antigo capitão-mor de Mazagão e que também esteve na China[99]. O Padre Fernando Oliveira publica, em Coimbra, e em 1555, Arte da Guerra do Mar[100] e, em 1573, em Évora, o engenheiro militar Isidoro de Almeida publica um volume de um conjunto de seis intitulado “Quarto livro de Isidoro de Almeida das Instruções Militares[101].

Falhada a tentativa de D. João III para melhorar a situação militar do Reino, com alguns dos seus protagonistas e impulsionadores desiludidos e a oferecerem a suas capacidades às forças de Carlos V, empenhado nas suas lutas no Mediterrâneo e na Europa, há uma paragem no caminho percorrido. O monarca português, tentando manter uma situação neutral nas lutas europeias, e com finanças em crise, empenha-se numa intensa actividade diplomática, muito centrada na cúria Romana, tentando defender os interesses de Portugal, empenhando-se na defesa da Fé, com o estabelecimento definitivo da Inquisição e acção activa no Concílio de Trento (1545-1549 e 1551-1552), onde os religiosos portugueses marcaram a fidelidade ao espírito da Contra-Reforma A morte do monarca, a 11 de Junho de 1557, sem herdeiros directos, vai abrir uma crise dinástica e agravar uma situação que afectada o espaço europeu e o Império, onde actos de corsários e pirataria anunciavam a era de uma guerra de mercadores[102] que se adivinhava.

Depois de regências que ainda fracturaram mais a sociedade portuguesa (a da rainha viúva D. Catarina de Áustria e a do irmão do monarca, o cardeal D. Henrique), D. Sebastião, a 20 de Janeiro de 1568, e com 14 anos de idade, toma conta do governo do Reino, sonhando com um destino que estava longe das suas capacidades.

Tenta militarizar o reino, restabelecendo uma quadrícula militar que tinha falhado no tempo do seu avô. A 15 de Dezembro de 1570 manda publicar o regimento chamado dos capitães-móres, e mais capitães, e officiaes das companhias da gente de cavallo, e de pé, e da ordem que deviam ter em se exercitarem. A provisão de Maio de 1574, que em parte modificou o Regimento, dividiu o Reino em capitanias-móres e estabeleceu as Companhias de Ordenanças, espécie de força territorial, com a sua componente de vigia e defesa da costa, que irá durar até à Convenção de Évora Monte, no século XIX. A organização militar passa também pela criação, em Lisboa, de quatro terços ou coronélias, de 3000 homens cada, divididas em companhias e com uma cadeia de comando que se estabelecia.

O número de gente que então se alistou nesta nova milícia foi tão grande, que só na vila de Barcelos e seu termo se alistaram 17.000 homens, como refere Duarte Nunes de Leão na sua descrição de Portugal.

Marrocos continuava a merecer a prioridade do novo monarca. Sem instrumento militar credível e experimentado aventura-se a Alcácer Quibir, com 24.000 homens, em que os 17.000 eram forçados e descontentes de acordo com os cronistas e os restantes mercenários estrangeiros, de várias nacionalidades que vagueavam pela Europa que entrava em nova era. A 4 de Agosto de 1578, o desastre acontece e passados dois anos, com um instrumento mais fragilizado, a pequena resistência militar na ribeira de Alcântara cai face a um aparelho militar que tinha seguido e experimentado uma revolução militar que tinha percorrido a Europa.

 

VII

Em 1953, o Coronel Faria de Morais, Director do Arquivo Histórico Militar, no número 23 do Boletim daquele Arquivo, publicava um ensaio inovador sobre a Arte Militar Quinhentista. O motivo próximo de tal ensaio foi o facto de se encontrar na biblioteca dos Paulistas (secção de livros raros da Biblioteca do Exército), uma cópia integral manuscrita do Quarto Livro de Isidoro d’ Almeida intitulado Das Instruções Militares. No frontispício da cópia lê-se: «Visto pelo Conselho Geral do Santo Ofício da Inquisição. Foi impresso este quarto livro das instruções militares na mui nobre e sempre leal cidade de Évora, em casa de André de Burgos, impressor e Cavaleiro do Cardeal Infante. Acabou-se aos vinte dias do mês de Novembro do ano de 1573» [103].

Em 1955, em Belfast, o académico Michael Roberts propunha à historiografia militar o conceito de Revolução Militar, definindo-a como o período em que as tácticas lineares dos exércitos foram desenvolvidas para contrariarem o crescente potencial das armas de fogo nas batalhas e situando-a, cronologicamente, entre 1560 e 1660. Com esta comunicação abriu-se um debate internacional, ainda não terminado, com sucessivas intervenções de historiadores militares, argumentando contra o conceito de revolução, substituindo-o por evolução de equilíbrios pontuais, contra a cronologia, antecipando-o para o início dos Quatrocentos com a revolução na infantaria e contra os fundamentos, argumentando que o elemento essencial teria sido o crescimento acelerado dos exércitos e outros.

Em todos os debates havidos, nunca encontrámos grandes referências à contribuição do Reino de Portugal a essa evolução, especialmente no que se refere à projecção da força militar à distância, utilizando o mar e meios novos para sair do Mediterrâneo e enfrentar o Atlântico nas suas correntes, ventos e navegação sem terra à vista, transportar cavalos e meios pesados (missões expedicionárias no actual pensamento militar), a utilização de fogos à distância e os ensinamentos recolhidos na experiência (como foi a guerra em Marrocos e o seu campo experimental para a artilharia), ou a ocupação de espaço estrategicamente importante (como foi a construção expedita de castelos de madeira e fortalezas, nas costas de África no Atlântico e no Índico ou no Oriente).

Também constatamos que, nos debates sobre a Revolução Militar, predominam os argumentos em volta das tecnologias que impulsionaram as capacidades de atacar ou defender em combate, esquecendo quais as transformações da sociedade que conduziam a novas formas de conceber as formas de guerra e de paz, que evoluções sociais de sucesso ou travadas levaram à transição dos bellatores medievais aos defensores da modernidade, como a concepção de um estado moderno ia incorporando nos seus vectores estruturantes a força militar organizada e não repartida, ou como a arte da guerra e os seus teorizadores, começando com Maquiavel, se inscrevem no humanismo renascimental[104] que lutava contra uma escolástica apoiada por uma nobreza que se considerava ameaçada na sua concepção de Ordens Militares e por uma Igreja contestada nos seus dogmas.

Na História de Portugal, os duzentos anos que separam Aljubarrota (1384) do encontro de Alcântara (1580), correspondem a tempos de evolução na Europa de então, com lutas internas procurando a afirmação e consolidação de monarquias e onde as lutas dinásticas internas se sucedem, mas também com lutas contra vizinhos e opositores, procurando aumentar os espaços nacionais e a capacidade de influenciar na ordem regulada por Roma. A guerra muda de natureza e de forma e, para nelas poderem intervir, as hostes reais têm de evoluir para forças militares dos reinos. Aos tradicionais meios necessários à concepção da força militar (homens, armamentos e dinheiro) vem juntar-se o multiplicador de força que foi a tecnologia, com a progressiva introdução da arma de fogo. A força militar vai acrescentando efectivos, a quem é necessário pagar, levando a novos impostos sobre os povos ou à procura de outros meios para obter riqueza, como era o comércio. A cavalaria medieval, considerada uma exclusividade de uma nobreza de sangue, passa a ter de coexistir com combatentes apeados, a infantaria, e uma nobreza de espada, que procurava ascender socialmente. Para acompanhar as novas concepções de sociedade e do poder, a força militar foi-se transformando lentamente, na sua concepção, organização e emprego, havendo quem veja nessa evolução uma Revolução Militar.

Durante esses dois séculos, a liderança do Reino foi entregue a sete Reis e duas regências (com problemas de direito na sucessão, derivados da concepção coetânea do poder real como aconteceu noutras Cortes europeias), e as concepções estratégicas para se atingirem os objectivos de independência, segurança, aumento de riqueza e bem-estar dos povos foram diversas. A um século de consolidação da independência, de afirmação do poder real, da construção do estado e da procura de riqueza por conquistas, seguiu-se um século de oportunidades perdidas na distribuição da riqueza acumulada, um tempo de profundas divisões na sociedade devido a causas variadas, entre as quais sobressai a questão religiosa, que não permitiram um tecido social fortalecido, a organização da economia e a formação de elites preparadas.

Esses dois tempos condicionaram a concepção, organização e emprego da força militar do Reino.

Toro (1476) assinala não só o último combate travado por portugueses em solo europeu e contra um oponente europeu, até Agosto de 1580, como marca a utilização organizada da arma de fogo individual no combate, recorrendo aos espingardeiros. A partir de então, a segurança do Reino foi consolidada recorrendo a uma hábil diplomacia junto do Papado em Roma, praticando uma política de casamentos com as dinastias católicas vizinhas, limitando os poderes e hostes senhoriais e procurando assegurar a fidelidade das Ordens Militares à coroa com alteração do conceito de nomeação dos seus Grãos Mestres. As Ordenações Afonsinas, com o seu Regimento da Guerra, tinham procurado estabelecer uma força real, mais no texto do que na prática, pois a força militar era necessária para outras tarefas que não a defesa directa do Reino.

Ceuta (1415) e as conquistas em Marrocos representaram a expansão possível face a vizinhos mais fortes, assegurando, simultaneamente, algumas oportunidades de comércio e o apoio de Roma para uma causa que a expansão do Crescente no Mediterrâneo preocupava. A força militar de que o Reino precisava seria de outras características: expedicionária, capaz de ser projectada por mar, com capacidades defensivas para assegurar posições descontínuas face a opositores mais numerosos. Caravela, artilharia, construção rápida de castelos e de fortalezas eram capacidades a desenvolver. Esta concepção foi apoiada pela nobreza do Reino e a coroa, prosseguindo uma hábil política de nomeação de cavaleiros e escudeiros e facilidades no comércio, ia alargando apoios. Este conceito de ocupação de posições para comerciar e de não expandir territórios por conquista, marca uma concepção estratégica que se desenvolve por toda a segunda metade do século XV. A força militar do Reino concebida para executar este conceito cumpria a sua missão. Portugal tinha entrado na Revolução Militar utilizando a arma de fogo, especialmente artilharia, introduzindo inovações técnicas e tácticas nas suas capacidades, desenvolvera a caravela como meio navegar num Oceano desconhecido e conseguia manter-se em posições que fortificava expedita e rapidamente.

A Índia trouxe novos e diferentes problemas para o comércio e para o Império, na sua protecção e defesa. Parece datar de 1505 (no ano anterior ao envio da primeira grande armada àquelas conquistas, onde seguia como capitão-mór e governador D. Francisco de Almeida, filho do conde de Abrantes e como comandante da esquadra Afonso de Albuquerque, que tinha sido estribeiro-mór de D. João II) a intenção do novo monarca, D. Manuel I, de modernizar a força militar do Reino, criando uma força capaz de defender, já que o conceito de protecção do comércio poderia continuar a ser assegurado com os navios e fortalezas com pequenas guarnições. Mas para defender, e era a concepção de Albuquerque que já tinha estado na Índia em 1503, seria necessário estabelecer guarnições em permanência, misturadas com populações locais que poderiam ser instruídas, disciplinadas e comandadas. Era preciso criar no Reino uma ordenança de soldados pagos, que poderiam ser nomeados para servir no Império e, à semelhança do que pretendeu o cardeal Cisneros para Castela, assegurarem a ordem nas terras. As notícias que chegavam das guerras em Itália, trazidas por alguns portugueses que ali combatiam, como Cristóvão Leitão, também defendiam tal concepção.

Por Alvarás Reais, emitidos de Almeirim, a 5 de Fevereiro de 1505, é criada a ordenança ou soyça e a sua capitania-geral é entregue a D. Nuno Manoel, do Conselho do Rei. O seu primeiro emprego operacional, de acordo com Damião de Góis, terá sido numa expedição a Azamor, em 1508, e mal sucedida, voltando a ser referidas na conquista de Malaca (1511) e de Azamor, por D. Jaime de Bragança, em 1513.

As resistências da nobreza à sua implementação, apoiadas por uma população que via na nova actividade sacrifício e desvio das suas actividades, não permitiram que a arte da guerra em Portugal se modernizasse e seguisse os caminhos que se estabeleciam na Europa, onde as forças de Carlos V, baseadas nos famosos terços, constituíam modelo. Alguns portugueses insatisfeitos procuraram nesses exércitos a procura de feitos que lhes conferisse nobreza. As tentativas de D. João III e, depois, de D. Sebastião para militarizar o Reino não tiveram sucesso e Alcácer-Quibir, ainda que a ordem de batalha das tropas portuguesas tentasse reflectir com os seus terços a doutrina em uso, foi o desastre foi total[105].

Portugal perderia a sua independência em 1580. A sua população era escassa, mas tinha perdido também a vontade de combater, a que se juntavam diferentes concepções de defesa de um Império progressivamente ameaçado criando divisões na unidade nacional. As oportunidades do denominado século de ouro não tinham sido aproveitadas para modernizar a economia, o tecido social, a formação de elites e o seu instrumento militar de defesa. Como iria repetir-se noutros períodos da História de Portugal, para a segurança e a defesa da Nação confiava-se mais na fraqueza dos outros do que nas capacidades próprias.

 


[1]  BRITO, A. Pedro de, AS CARTAS DE CAVALEIRO E ESCUDEIRO NOS SÉCS XV E XVI, Separata da REVISTA LUSÓFONA DE GENEALOGIA E HERÁLDICA, Nº 1, Ano 1, Novembro de 2006.

[2]  PARKER, Geoffrey, THE MILITARY REVOLUTION, Military innovation and the rise of the West, 1500-1800, Cambridge University Press, 1996. O autor, na sua argumentação, descreve algumas inovações na arte da guerra transmitida pelos primeiros conquistadores para fora do continente europeu. Dá relevo, citando pesquisas recentes, à precoce transmissão da “revolução militar” europeia para uma sociedade muçulmana, como foi o caso dos portugueses em Marrocos, citando correspondência de D. João III, em 1541, quando dizia “Temos de reconhecer que a guerra em Marrocos mudou. O inimigo está agora mais conhecedor das artes da guerra e dos cercos, devido, em parte, à ajuda de muitos Turcos e renegados, e tem mais armas e materiais para fazer a guerra”.

[3]  HESPANHA, António Manuel, INTRODUÇÃO ao Volume 2 da Nova História Militar de Portugal, ed. Círculo de Leitores e Autores, Lisboa, 2004.

[4] 4    BRITO, Pedro de, A ARTE DA GUERRA NO PORTUGAL DO HUMANISMO RENASCIMENTAL, Publicação Nº 15, IV Série, do Círculo Dr. José de Figueiredo, Porto, 2006.

[5]  Geoffrey Parker Na sua obra THE MILITARY REVOLUTION – Military innovation and the rise of the West 1500-1800, no Capítulo Victory at sea, começando no galeão esquece a caravela.

[6]  Morais, Coronel A. Faria de, ARTE MILITAR QUINHENTISTA, Boletim do Arquivo Histórico Militar, 23º Volume, 1953.

[7]  A batalha de Crécy, entre forças de Eduardo III de Inglaterra e de Filipe IV de França, decorreu no segundo período da denominada Guerra dos Cem Anos e localizou-se em território francês, na margem Norte do Rio Somme, a poucos quilómetros da actual cidade de Abbeville. As forças inglesas (cerca de 20.000 efectivos), em retirada para o mar do Norte, aproveitaram terreno favorável, organizaram defensivamente esse terreno e esperaram pelas forças francesas, em superioridade numérica (cerca de 60.000 efectivos). Foi uma vitória decisiva para os ingleses, um combate mortífero, mas mostrou como homens a pé e disciplinados, apoiados pela capacidade de archeiros que conseguiam alcances superiores com o novo arco, podiam derrotar a melhor cavalaria da Europa. Esta vitória espantou o mundo europeu de então e parece ter influenciado a táctica utilizada alguns anos depois em Aljubarrota.

[8]  Afonso de Albuquerque a D. Manuel I, de Cananor, 16.X.1510, em Cartas de Afonso de Albuquerque seguidas de documentos que as elucidam, ed. Bulhão Pato, Lisboa, 1884-1935 (Biblioteca da Revista Militar).

[9]  EXORTAÇÃO DA GUERRA, Obras completas de Gil Vicente, Vol IV, Livraria Sá de Costa, Lisboa, 1943.

[10]  GOMES EANES DE ZURARA, CRÓNICA DA TOMADA DE CEUTA, 2ª ed., Livraria Clássica Editora, Lisboa, 1965.

[11]  CRONICA DO SERENÍSSIMO SENHOR REI D. MANOEL ESCRITA POR DAMIÃO DE GOES, Terceira Parte, Capítulo XVIII, Lisboa, 1749.

[12]  RUBIM, Coronel Nuno Varela, A ARTILARIA PORTUGUESA NAS TAPEÇARIAS DE PASTRANA: A TOMADA DE ARZILA EM 1471, Revista de Artilharia, 1967; NOVO CONJUNTO DE TAPEÇARIAS DE D. AFONSO V NA IGREJA DE PASTRANA EM ESPANHA, ed. Autor com o Patrocínio da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2005.

[13]  Tapeçarias de D.João de Castro, Kunsthistorsiches Museum, Viena.

[14]  CORTESÃO, Jaime, OS DESCOBRIMENTOS PORTUGESES, ed. Círculo de Leitores, Lisboa, 1978. O autor refere Estudos sobre Navios Portugueses nos Séculos XV e XVI, de Henrique Lopes de Mendonça, publicado em 1892, e depois continuados por Gago Coutinho e Quirino da Fonseca.

[15]  DUPUY,R. E. e DUPUY,T.N., THE ENCYCLOPEDIA OF MILITARY HISTORY, Harper and Row Publ., ed. Revista, 1977.

[16]  SILVA, José Custódio Vieira da, A ARQUITECTURA EM MADEIRA NA EXPANSÃO PORTUGUESA, A Arquitectura Militar na Expansão Portuguesa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Porto, 1994.

[17]  RODGERS, Clifford J., THE MILITARY REVOLUTION OF THE HUNDRED YEARS WAR, in THE MILITARY REVOLUTION DEBATE, Westview Press, EUA,1995.

[18]  Batalha travada entre os montanheses dos cantões suíços, no seu solo, procurando a sua autonomia, contra forças de Carlos o Temerário, duque da Borgonha, que tinha invadido o território.

[19]  GRANADOS, Juán, EL GRÁN CAPITÁN, Edhasa, Barcelona, 2006.

[20]  Batalha travada a 26 de Abril de 1503, entre forças de França e de Aragão, comandadas por Gonzalo de Córdova, em território italiano (Calábria). As forças de Aragão, com arcabuzeiros entrincheirados, conseguem resistir ao ataque francês. Alguns historiadores militares consideram que esta foi a primeira batalha ganha pelo fogo de armas individuais. A sua descrição, ainda que romanceada, pode ler-se em Ob. Cit. 17.

[21]    ROGERS, Clifford J., Ob. Cit. 15.

[22]  A fórmula hoje considerada ideal, de 74,64% de salitre, 11,85% de enxofre e 13,51% de carvão vegetal, só em finais do século XV começou a ser empregada. A granulação da pólvora foi também um desenvolvimento importante, para a estabilização e conservação das suas características e utilização.

[23]  HALE, J.R., WAR AND SOCIETY IN RENAISSANCE EUROPE, 1450-1620, The John Hopkins University Press Baltimore, 1985.

[24]  Lembramos Luís Soriano, Gama Barros, Latino Coelho, Pinheiro Chagas, Acúrcio das Neves, Cristóvão Ayres, Vitoriano César, Carlos Selvagem, Ferreira Martins, Belisário Pimenta, Gastão de Melo Matos, José Mattoso, A. H. Oliveira Marques e outros.

[25]  NOVA HISTÓRIA MILITAR DE PORTUGAL, Dir. de Manuel Themudo Barata e Nuno Severiano Teixeira, Círculo de Leitores e Autores, Lisboa, 2003.

[26]  SERRÃO, J. V., História de Portugal. Vol II e III, Verbo, Lisboa.

[27]  COUTO, Diogo, O soldado Prático, Livraria Sá da Costa, Lisboa, 1954.

[28]  BRITO, Pedro de, Ob. Cit. 1.

[29]  OLIVEIRA MARQUES, A. H.de, NOVA HISTÓRIA DE PORTUGAL, A Arte da Guerra, Vol IV, Editorial Presença, Lisboa, 1987.

[30]  Livro da Monteria, D. João I, observações em Ob. Cit 27.

[31]  ORDENAÇÕES AFONSINAS (De acordo com a edição de 1792), Fundação Calouste Gulbenkian, 1792.

[32]  No aspecto cronológico e descritivo revestem-se de interesse MEMÓRIA ESTATÍSTICO-HISTÓRICO-MILITAR, de António Joaquim de Gouveia Pinto e AS RAÍZES DAS INSTITUIÇÕES MILITARES PORTUGUESAS, de Nuno Valdez dos Santos. Para compreender melhor a evolução no período são indispensáveis os textos de A. Faria de Morais, ARTE MILITAR QUNHENTISTA (Boletim Nº 23 do Arquivo Histórico Militar, Lisboa, 1953), A.H. de Oliveira Marques (Ob. Cit. 27) e ORGANIZAÇÃO E FORMAÇÃO MILITARES (in NOVA HISTÓRIA MILITAR DE PORTUGAL, Ob. Cit. 23) e A GUERRA EM PORTUGAL NOS FINAIS DA IDADE MÉDIA (Ed. Notícias, Lisboa) de João Gouveia Monteiro.

[33]  SERRÃO, J. Veríssimo, HISTÓRIA DE PORTUGAL, II Volume, 2º ed. (1415-1495), Verbo, Lisboa, 1977.

[34]  SOUSA, Armindo de, HISTÓRIA DE PORTUGAL, Coordenação de J. Mattoso, Segundo Volume.

[35]  A lança era constituída pelo respectivo homem de armas, pelo seu escudeiro, o pagem, dois arqueiros a cavalo ou besteiros e um cutileiro (Boletim Nº 24 do Arquivo Histórico Militar, Lisboa, 1954).

[36]  MONTEIRO, João Gouveia, ORGANIZAÇÃO E FORMAÇÃO MILITARES, in Nova História Militar de Portugal, Volume I, Círculo de Leitores e Autores, Lisboa, 2003.

[37]  Ob. Cit. 23.

[38]  Ob. Cit. 33.

[39]  MORAIS, Coronel Faria de, ARTE MILITAR QUINHENTISTA, Boletim do Arquivo Histórico Militar, Nº 23, Lisboa, 1953.

[40]  Ob. Cit. 33.

[41]  DUARTE, Luís Miguel, AFRICA, in Ob. Cit. 23.

[42]  SERRÃO, Joaquim Veríssimo, Ob. Cit. 24.

[43]  Ob. Cit. 23.

[44]  LOUREIRO DOS SANTOS, J.A., CEUTA (1415), A CONQUISTA, Ed. Prefácio, Lisboa, 2002.

[45]  BRITO, Pedro de, Ob. Cit. 1.

[46]  DUARTE, Luís Miguel, D. DUARTE, Temas e Debates, Lisboa, 2007.

[47]  VOGT, John (University of Georgia, USA), SAINT BARBARA’S LEGION: PORTUGUESE ARTILLERY IN THE STRUGGLE FOR MOROCCO (1415-1578), Military Affairs, Vol 41, N º 4 (Dec1977), pp. 176-182.

[48]  A batalha de Castillon. A cerca de 30 km da actual cidade de Bordéus é considerada a última batalha da Guerra dos Cem Anos, entre forças de Carlos VII de França e forças inglesas de Henrique VI, comandadas por John Talbot. Os franceses, graças ao emprego de um notável parque de artilharia dirigido por um dos irmãos Bureau (Jean) e das gentes de ordenança derrotam os ingleses que abandonam a Normandia. Shakespeare na sua obra Henrique VI, Parte I lembra a batalha “a dismal fight/Betwixt the stout Lord Talbot and the French”.

[49]  SERRÃO, J. Veríssimo, HISTÓRIA DE PORTUGAL, II Volume, 8ª edição, Verbo, Lisboa, 1978.

[50]  MORENO, Humberto Baquero, A BATALHA DE ALFARROBEIRA, Antecedentes e Significado Histórico, 2 Vol, Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, Coimbra-1979.

[51]  ORDENAÇÕES AFONSINAS, Fundação Calouste Gulbenkian, de acordo com a edição de 1792, Lisboa, 1984.

[52]  VITERBO, Sousa, O FABRICO DA PÓLVORA EM PORTUGAL, Revista Militar, 1896.

[53]  GOUVEIA PINTO, António Joaquim de, MEMÓRIA-ESTATISTICO-HISTÓRICO-MILITAR, Revista Militar, 1862.

[54]  Ob. Cit. 42.

[55]  DUARTE, Luís Miguel, 1449-1495, O TRIUNFO DA PÓLVORA, in NOVA HISTÓRIA DE PORTUGAL, Volume 1.

[56]  SOUSA, Armindo de, AS CORTES MEDIEVAIS PORTUGUESAS (1385-1490), 2 vol. INIC, Porto, 1990; MENDONÇA, Manuela, D. JOÃO II: UM PERCURSO HUMANO E POLÍTICO NAS ORIGENS DA MODERNIDADE DE PORTUGAL, Estampa, Lisboa, 1991; FONSECA, Luís Adão da, D. JOÃO II, Temas e Debates, Lisboa, 2007.

[57]  Terá nascido nesta época a Confraria de S. Sebastião, continuada pelo culto a Nossa Senhora da Saúde, na Mouraria de Lisboa, que se mantém até hoje.

[58]  RUBIM, Coronel Nuno V. A ARTILHARIA EM PORTUGAL NA SEGUNDA METADE DO SECULO XV, Revista de Artilharia, 1994.

[59]  PINTO, Augusto Cardoso, A GUARDA DEL Rei D. JOÃO II, Lisboa, 1930.

[60]  FONSECA, Luís Adão da, D. JOÃO II, Círculo de Leitores, Lisboa, 2007.

[61]  GOES, Damião de, CRÓNICA DO SERENÍSSIMO REI D. MANUEL, Lisboa 1749 (Biblioteca do Exército).

[62]  Ob. Cit. 57.

[63]  Ob. Ct. 18.

[64]  AUBIN, Jean, LE CAPITAINE LEITÃO, UN SUJET INSATISFAIT DE D. JOÃO III, Separata da Revista da Universidade de Coimbra, vol. 29, 1983.

[65]  Ob. Cit. 60.

[66]  MORAIS, Coronel Alberto Faria de, ORDENANÇAS E GINETES D’EL REI, Boletim do Arquivo Histórico Militar, 24º Volume, Lisboa, 1954. Doc. 1.

[67]  Era Senhor de Salvaterra de Magos e das Águias (História Genealógica da Casa Real Portuguesa, António Caetano de Sousa, Livro IV).

[68]  Ob. Cit. 62, Doc. 2.

[69]  Conforme refere o Professor Jean Aubin no seu estudo (Ob. Cit. 60), teria nascido por volta de 1470, na região da Beira Baixa, havendo referências a seus descendentes fixados na Sertã e em Figueiró dos Vinhos, e o seu pai teria sido António Gonçalves Leitão, o das forças, que deixou na Sertã a recordação de uma força hercúlea, forte como oito homens.

[70]  Ob. Cit. 57.

[71]  Ob. Cit. 60.

[72]  Carta de Cristóvão Leitão a D. João III, em 25.IV.1527: Ob. Cit. 57.

[73]  Ob. Cit. 4.

[74]  Ob. Cit. 57.

[75]  PERES, Professor Doutor Damião, CONQUISTA DE AZAMOR PELO DUQUE DE BRAGANÇA D. JAIME EM 1513, Fundação da Casa de Bragança, 1951.

[76]  Ob. Cit. 57.

[77]  Ob. Cit. 44.

[78]  CORREIA, Gaspar, LENDAS DA ÍNDIA, Civilização, Porto, 1975.

[79]  Ob. Cit. 4.

[80]  Ob. Cit. 74 “…o Governador se armou, e mandou armar toda a gente a saír fora ao campo, e primeiro a gente da ordenança, com seus piques e atambores e bandeiras, que passando de oitocentos homens, e com fidalgos por cabos de esquadra, e Pero Mascarenhas capitão de todos, e João Fidalgo, e Rui Gonçalves portugueses, e João de Rojas e Pero de Valdez castelhanos que sabião do mester…”.

[81]  Cartas de Afonso de Albuquerque ao Rei, 23.XI.1512 e 4.XII.1513.

[82]  COSTA, João Paulo Oliveira e, D. MANUEL I, Temas e Debates, Círculo de Leitores, Lisboa, 2007.

[83]  Ob. Cit. 74: «Desfez os capitães da ordenança dizendo que ordenança nem soiça na India era apresão para os homens».

[84]  Ob. Cit. 60.

[85]  Ob. Cit. 44.

[86]  VITERBO, Sousa, FUNDIDORES DE ARTILHARIA, Revista Militar, Janeiro de 1901.

[87]  Maquiavel, Nicolau, A Arte da Guerra, Tradução, Estudo Introdutório e Notas de David Martelo, Edições Sílabo, Lisboa, 2006.

[88]  LABOURDETTE, Jean-François, HISTÓRIA DE PORTUGAL, Publicações Dom Quixote, Porto, 2001.

[89]  Ob. Cit 61.

[90]  Ibid.

[91]  Ibid.

[92]  Ibid.

[93]  Ibid.

[94]  Ibid.

[95]  Ob. Cit.4. O Mestre Pedro de Brito que no seu Estudo faz referências várias ao artigo de Elaine Sanceau A ordenança do Porto no reinado de D. João III (Boletim da Câmara Municipal do Porto, XXIX/3-4, Porto, 1966), apresenta a nomeação de capitães de ordenança pelo Reino.

[96]  Ibid.

[97]  Ob. Cit. 50.

[98]  AMARAL, Augusto Ferreira do, HISTÓRIA DE MAZAGÃO, Publicações Alfa, Lisboa, 1989.

[99]  MATOS, Gastão de Melo, SOBRE O “REGIMENTO DE GUERRA” QUINHENTISTA, Anais, Academia Portuguesa da História, Lisboa, 1953.

[100] SILVA RIBEIRO, CMG António M. F. da, UMA VISÃO ESTRATÉGICA DA ARTE DA GUERRA NO MAR, Revista Militar, Junho/Julho 2007.

[101] ALMEIDA, Isidoro, QUARTO LIVRO DE ISIDORO DE ALMEIDA DAS INSTRUÇÕES MILITARES, Boletim do Arquivo Histórico Militar, 23º vol., Lisboa, 1953.

[102] HOWARD, Michael, A GUERRA NA HISTÓRIA DA EUROPA, Publicações Europa-América, Lisboa, 1977.

[103] Ob. Cit. 37.

[104] Ob. Cit. 4.

[105] BAÑOS-GARCIA, António Villlacorta, D. SEBASTIÃO, REI DE PORTUGAL, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2006.

 

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General

Gabriel Augusto do Espírito Santo

Nasceu em Bragança em 8 de Outubro de 1935.

É General do Exército, na situação de Reforma desde o ano 2000, depois de ter servido nas Forças Armadas Portuguesas durante 49 anos.

Além de Tirocínios e Estágios na sua Arma de origem possui os Cursos da Escola do Exército (Artilharia), Curso Complementar de Estado-Maior e Curso Superior de Comando e Direcção (Instituto de Altos Estudos Militares), Curso de Comando e Estado-Maior (Brasil) e o Curso do Colégio de Defesa Nato (Roma).

Falecido em 17 de outubro de 2014.

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by CMG Armando Dias Correia