Nº 2453/2454 - Junho/Julho de 2006
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
EDITORIAL - As Instituições Militares em Tempo de Mudanças
General
Gabriel Augusto do Espírito Santo
Quem se debruçar sobre a história das Instituições Militares e as suas relações com as sociedades de onde emanam, verificará que as grandes mudanças da sociedade foram seguidas de adaptação da Instituição Militar, mais nas suas configurações do que na finalidade, a essas mudanças.
 
Na História da denominada civilização ocidental, a passagem para a modernidade assistiu a grandes mudanças sociais e a tentativas de organização da sociedade, onde sobressaem novas formas de arquitectura do poder, de estruturação das economias onde o mercantilismo e a moeda assumem protagonismos ainda não esgotados, de relações internacionais onde o Estado-Nação e o conceito de soberania vão resistindo a grandes ofensivas ainda não terminadas. Tudo isso começou no distante século XVII, aquele século que alguns designam de inovador e outros de ferro, espartilhado entre os séculos do Renascimento e do Iluminismo.
 
É nesses tempos distantes que a força militar permanente à disposição do Estado vai adquirindo, progressivamente, o estatuto de Instituição, diferente de outras organizações como a Igreja e a Universidade que também se institucionalizam, pois a sua missão é diferente: combater e vencer ameaças à sociedade e auxiliar o Estado, quando necessário.
 
As evoluções da ciência e das tecnologias foram modificando, progressivamente, os instrumentos militares e as suas capacidades para atacar ou defender, proteger-se, provocar atrição à distância, prolongar o combate no tempo. Foi o tempo da Revolução nos Assuntos Militares, ainda não terminada, mostrando, afinal, que a dialéctica entre ataque e defesa irá continuar em conceitos, formas e avaliação de resultados.
 
A evolução do conceito de Instituição Militar é mais lenta. Relaciona-se com o poder e a organização desse poder, com o Estado e a Nação, com os conceitos de guerra e de paz, com a evolução na definição de riscos e ameaças, com o estatuto que as sociedades pretendem conferir à condição militar. Durante mais de dois séculos essa Instituição teve de se adaptar a uma sucessão de opções que passaram por conceitos de nação em armas, exércitos populares, exércitos profissionais e sucessivas e inconstantes opções do poder nas suas respostas às necessidades de defesa, muitas vezes inesperadas e sem avisos atempados.
 
Mas essa evolução lenta não impediu que a Instituição Militar fosse consolidando conceitos nas áreas do seu relacionamento com o poder, na definição da hierarquia que materializa o comando, no ensino específico que deve preparar os que a Servem, nos códigos de ética que materializam princípios de Honra, Pátria e Dever e que devem orientar quem assume a condição militar, nos princípios da justiça e da disciplina que cimentam organizações que têm de produzir força militar e combater, se necessário morrendo, por Honra, espírito de corpo e camaradagem de armas.
 
Constitui verdade e lugar comum afirmar que a História não se repete. Mas repetem-se tempos de mudança e vivemos tempos de mudança. Mais uma vez, os instrumentos militares, com o apoio dos tremendos desenvolvimentos na ciência e tecnologia, vão adaptando as suas capacidades de resposta no combate a conflitos violentos onde esteja presente a força militar. Esses progressos não têm sido acompanhados pela sociedade nas suas capacidades de prevenir e resolver esse tipo de conflitos e sentem-se no ar novas interro­gações sobre as Instituições Militares e a sua finalidade.
 
Discute-se uma ordem internacional acordada, discute-se soberania, discute-se o Estado e as suas funções essenciais, a nova globalização cria espaços económicos fora dos espaços nacionais e o novo tipo de conflitos violentos questionam que tipo de respostas. Nos conflitos internos que afectam as sociedades o poder esquece-se da Instituição Militar como factor de prevenção e dissuasão e procura na força policial armada, com estatuto e condição indefinidas, o instrumento de coacção para a resposta violenta, com escaladas crescentes que acabam por impasse e falhanço do estado e da comunidade internacional.
 
Tal como nas sociedades com elevados graus de conflitualidade e violência, onde o recurso aos condomínios seguros e privados vai substituindo a função de segurança que o Estado deve proporcionar, também a comunidade internacional, e as Nações, vão recorrendo progressivamente a empresas privadas para substituírem o que seriam as suas obrigações.
 
Acreditamos ser tempo de meditar sobre as Instituições Militares e a sua função, e futuro, face ao Estado e suas relações com o poder. E julgamos ser dever daqueles que detêm ou detiveram a condição militar iniciar esse debate, ensinando e demonstrando o que representa a Instituição Militar perante a Nação. Para se sair de debates estéreis sobre equipamentos e armamentos perante um futuro estratégico incerto e com a era do petróleo a chegar ao fim, ou de disputas ignorantes sobre o Protocolo do Estado, querendo demonstrar, talvez, que nas Instituições da Nação devemos substituir a Instituição Militar por Partidos Políticos. Mas é um facto que a ignorância vai fazendo leis.
 
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*      Sócio Efectivo da Revista Militar. Presidente da Direcção.
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2006-10-10
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General

Gabriel Augusto do Espírito Santo

Nasceu em Bragança em 8 de Outubro de 1935.

É General do Exército, na situação de Reforma desde o ano 2000, depois de ter servido nas Forças Armadas Portuguesas durante 49 anos.

Além de Tirocínios e Estágios na sua Arma de origem possui os Cursos da Escola do Exército (Artilharia), Curso Complementar de Estado-Maior e Curso Superior de Comando e Direcção (Instituto de Altos Estudos Militares), Curso de Comando e Estado-Maior (Brasil) e o Curso do Colégio de Defesa Nato (Roma).

Falecido em 17 de outubro de 2014.

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by COM Armando Dias Correia