Nº 2544 - Janeiro de 2014
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EDITORIAL
General
José Luiz Pinto Ramalho

Com este número da Revista Militar inicia-se o 66º Volume e o 165º ano da sua publicação ininterrupta. Continuaremos, Sócios e, naturalmente, Direção atentos às realidades nacionais e internacionais da Segurança e da Defesa e, também, da Instituição Militar.

No quadro da segurança e estabilidade internacional o ano que agora se inicia será marcado pelas consequências previsíveis da retirada, do Afeganistão, das tropas americanas e também europeias, deixando apenas efectivos residuais, retirada que estará concluída em dezembro. Do lado dos EUA, será o final de uma guerra longa, iniciada em 31 de dezembro de 2001, hoje tão impopular como foi a do Vietname, que causou, até agora, mais de 2000 militares mortos e próximo de 20000 feridos e materializa-se o assumir do seu novo empenhamento estratégico na região Ásia-Pacífico, a par de um recente reforço de cerca de 1500 Marines estacionados na Austrália.

Para a OTAN, para os Europeus e para a União Europeia coloca-se outra vez a questão da missão futura que justifique o seu papel estratégico de Aliança indispensável e de instrumento indiscutível da coesão estratégica transatlântica e, aos europeus, como demonstrar o seu carácter de aliados preferenciais e credíveis. Certamente que a UE voltará a ser confrontada, interna e externamente, com a realidade da sua PCSD e com a necessidade de alterar o seu discurso político, neste domínio, centrado nas políticas de cooperação, em matérias relacionadas com a base industrial europeia de defesa, perante uma prática de cortes orçamentais no domínio dos equipamentos de defesa e a necessidade de demonstrar uma efectiva capacidade militar.

A entrega da responsabilidade da segurança e defesa do seu País, aos afegãos, não está isenta de riscos para a paz e estabilidade, quer daquele Estado, quer para a região; se na verdade a saída americana não deixa atrás de si “um vazio”, é igualmente real que os “talibans” não desapareceram e que a questão da luta pela estabilidade política, pelo desenvolvimento e pela paz vai continuar a ser um desafio permanente, em termos internos. Em termos externos, será igualmente de acompanhar o comportamento dos dois atores regionais, potências nucleares – o Paquistão acusado de apoiar os “talibans e grupos jihadistas” e de ser responsável por alguma instabilidade nas fronteiras com o Afeganistão, e a Índia, tradicionalmente apoiante dos “inimigos” daquele primeiro país. Daqui resulta a questão de como se irá processar a procura da influência, por parte de cada um destes dois países sobre o Afeganistão.

Também em termos internacionais a situação na Síria; os desenvolvimentos na bacia sul do Mediterrâneo, no Médio Oriente, em particular no Egipto; mas, igualmente, o permanente diferendo entre Israel e os Palestinos; a situação no Iraque; a concretização do acordo sobre o nuclear com o Irão; assim com o comportamento da Coreia do Norte, relativamente a esta matéria; em África, países como o Congo, a Serra Leoa, o Sudão, o Mali, a Nigéria e a África do Sul pós Mandela, são situações que irão marcar a agenda internacional.

 

A intervenção estratégica da Rússia e da China nestes domínios e o seu desafio à assumida liderança internacional dos EUA será determinante para a manutenção da paz e estabilidade internacional. Ainda relativamente à China, a recente visita do Primeiro-Ministro japonês Shinzo Abe, ao túmulo Yasukuni, que honra os seus mortos na IIª GM, incluindo aqueles que foram condenados como criminosos de guerra, exacerbou as tensões na região não só entre estes dois países, relativamente às ilhas Senkakus/Diaoyu e Okinawa, como também com a Coreia do Sul. Quanto à Rússia, estaremos confrontados com um Putin, cada vez mais confiante na sua intervenção política internacional, sendo previsível uma postura mais assertiva quer em relação à Geórgia, quer à Ucrânia.

Quanto à Europa, durante este ano continuaremos confrontados com a crise das dívidas soberanas dos Estados da EU e correspondentes políticas de austeridade e comportamento do Euro. Em função disso, uma avaliação internacional efectuada pela Economist Intelligence Unit, publicada em Dezembro do ano passado, feita a cento e cinquenta países, no que respeita aos riscos de instabilidade política e social, nos Estados da UE, coloca na classificação de “muito alto risco” a Grécia e “alto risco”, a Croácia, o Chipre, a Espanha, Portugal e a Roménia; a classificação tem cinco graus, “muito baixo”, “baixo”, “médio”, “alto” e “muito alto”.

Esta avaliação é feita a partir da análise das instituições políticas e das respectivas elites, das políticas de austeridade e diminuição de rendimentos das classes médias, dos níveis de desemprego, das políticas económicas percebidas como não respeitando a equidade dos sacrifícios, dos resultados das políticas governativas e da afectação de apoios e das políticas sociais.

Na Europa será ainda de seguir os desenvolvimentos relativos à Escócia e à Catalunha, ambas agitando a afirmação da autonomia política, a par da crescente instabilidade política e social, não só na Turquia como também na Bulgária.

Por último, relativamente à Instituição Militar, o novo ano nos mostrará as implicações das reduções efectuadas nas Forças Armadas e da desarticulação dos apoios sociais, designadamente na saúde, na sua efectiva capacidade operacional, assim como na resposta político-militar às solicitações internacionais da segurança cooperativa, em especial relativamente à presença militar nacional futura, quer no Afeganistão, quer no Kosovo, aos desenvolvimentos da PCSD, a nível da EU e ainda, da nossa Cooperação Técnico-Militar quer com os PALOP e Timor, quer no âmbito integrado da CPLP.

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2014-06-02
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José Luiz Pinto Ramalho

Nasceu em Sintra, em 21 de Abril de 1947, e entrou na Academia Militar em 6 de Outubro de 1964. 

Em 17 de Dezembro de 2011, terminou o seu mandato de 3+2 anos como Chefe do Estado-Maior do Exército, passando à situação de Reserva.

Em 21 Abril de 2012 passou à situação de reforma.

Atualmente exerce as funções de Presidente da Direção da Revista Militar e de Presidente da Liga da Multissecular de Amizade Portugal-China.

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by CMG Armando Dias Correia